Em 18 de abril é comemorado o Dia Nacional do Livro Infantil. A data é uma homenagem ao aniversário de nascimento de Monteiro Lobato, considerado o primeiro autor brasileiro de literatura infantil, depois de ter publicado "A menina do narizinho arrebitado", em 1920. Antes disso, basicamente, havia no Brasil apenas livros de caráter pedagógico e adaptações traduzidas dos contos de Charles Perrault, dos irmãos Grimm e de Hans Christian Andersen.
Quando inseridos na rotina das crianças, os livros auxiliam no desenvolvimento da oralidade, da imaginação, do raciocínio, fortalecem vínculos durante a contação de histórias e incentivam o gosto pela leitura.
Dada a importância da data, conversamos com dois autores de literatura infantil e juvenil, Christian David, que tem mais de 15 títulos publicados e acumula diversos prêmios, e Celso Sisto, escritor também premiado, com mais de 80 obras publicadas, arte-educador, ilustrador e contador de histórias.
Enredo
Nas histórias infantis, realidade e fantasia andam juntas. Mas o que caracteriza um bom enredo para crianças? Para Christian David, escrever um bom enredo infantil exige os mesmos esforços de uma história escrita para outros públicos. "Começo citando o autor de "Crônicas de Nárnia", C. S. Lewis, abordando essa questão: "Uma história infantil que só pode ser apreciada por crianças não é uma boa história infantil". Concordo com essa citação no sentido de que se deve oferecer para as crianças a mesma qualidade que se oferece para qualquer outro público, a mesma dedicação na trama, o mesmo trabalho estético, a mesma sutileza no uso das palavras e das metáforas. Oferecer um enredo interessante e imaginativo sem a tentativa de simplificações exageradas ou explicações do que está acontecendo o tempo inteiro. É necessário acreditar no leitor criança, na sua capacidade de entendimento e interpretação", afirma.
De acordo com Celso Sisto, um bom enredo depende muito da fase em que a criança está. "Olha, a infância é uma "faixa" bem grande, cheia de etapas! Não há como definir com segurança um bom enredo, assim, de forma elástica, que cubra esse universo tão vasto e tão distinto! Um bom enredo é o que aborda coisas do universo de interesse da criança, naquela etapa, mas sobretudo que tenha um conflito instigante, com personagens bem construídos, com uma estrutura dinâmica, que convide a imaginação a entrar com tudo, que seja lúdico e que mexa com a emoção da criança. Ah, mas nada disso adianta se o escritor não encontrou a linguagem adequada para contar a sua história para essa criança!".
Em relação às temáticas, ambos dizem que não há assuntos proibidos, desde que haja o cuidado do autor na abordagem. "Todo assunto pode ser trazido para a literatura infantil. O que é preciso é encontrar a maneira adequada de tratá-lo: encontrar o tom, a voz, a linguagem adequada, os argumentos que estejam ao alcance do leitor. E não tornar o assunto chato, professoral, filosófico demais, como às vezes acontece. O mais importante é contar bem a história! É atingir a emoção do leitor. Quero lembrar que emoção é riso, boas expectativas, prazer, mas também reflexão, ficar pensativo, ampliar a percepção e até o conhecimento de si e do mundo! Mas há que se dosar o peso disso! E há que se ter bons personagens, evidentemente!", explica Celso.
Christian David diz que "o escritor pode introduzir qualquer tema que achar necessário, seja com linguagem figurada, com o uso de metáforas ou com um diálogo interessante e chamativo, desde que respeite o universo infantil e a visão que a criança tem do mundo. A preocupação talvez seja em não abordar assuntos que não fazem parte do universo da criança, mas o tema "morte", por exemplo, está sempre presente, seja na morte de um parente ou de um bicho de estimação, então não há porque evitá-lo. Ao mesmo tempo, também não se deve forçar uma lição ou uma tentativa de dar aquela "moral" ou palavra definitiva sobre o assunto. A discussão é longa, mas esse já é um bom começo".
Conflito
A criança é exigente, curiosa e questionadora. Por isso, a história precisa ser envolvente, sem lições de moral e adultos solucionando os conflitos. "Acredito que devemos fugir da tal "moral da história". No passado se tinha outro entendimento e as "morais" habitavam os livros para a infância, mas contemporaneamente, o que se deve buscar é a pluralidade de significados e a possibilidade da criança completar o texto com suas próprias ideias e imagens. É claro que o autor sugere, conduz, provoca, mas deve ficar ao encargo do leitor completar boa parte da história. Dessa forma se faz necessário que o conflito ou conflitos sejam trazidos para o texto e que tanto o leitor quanto os personagens com os quais ele se identifica participem da solução dos mesmos. Não é desejável que sejam sempre os personagens adultos a terem as chaves para a solução dos problemas ou que os conflitos se resolvam magicamente", observa Christian.
Celso afirma que "não existe receita de bolo" e descarta a obrigatoriedade de finais felizes. " Um bom autor pode contar o que quiser para as crianças, desde que fale de igual para igual, sem se colocar numa posição superior. Brincar com o texto é fundamental. Usar a imaginação é praticamente obrigatório. Sair do lugar comum. Morais explícitas, direcionadas, únicas didatizam os textos e são empobrecedoras. Um bom texto para crianças é cheio de boas conversas, mas que não precisa ser a mesma para todo mundo. E muito menos vir explícita. É preciso deixar o leitor interpretar, com seu entendimento e sua bagagem! Se ele não pode fazer isso sozinho, que ao menos o mediador seja inteligente e um bom leitor, para não transformar a literatura em cartilha de ensinamentos! Não há nenhuma obrigatoriedade para finais felizes na literatura infantil, até porque esse "politicamente correto" de evitar que as crianças lidem com tristezas e frustrações é altamente danoso para esse ser que está em formação (e estamos sempre em formação, não é? Quem está acabado, está morto!). A obrigação do final feliz é transformar o mundo em "cor de rosa", e o mundo é de muitas cores. Fora a hipocrisia que isso muitas vezes representa".
Linguagem
A linguagem, assim como o enredo, precisa conversar com o universo infantil. E cada faixa etária tem a sua particularidade. Um grande equívoco é achar que escrever para crianças é mais simples que escrever para outros públicos.
Sobre isso, Christian David destaca que "a linguagem pode ser simples sem ser pobre. Uma linguagem simples para o leitor iniciante, com a introdução de algumas palavras mais complexas, pode ser uma ponte para um entendimento maior e um crescimento do leitor. Evitar diminutivos e linguagem do estilo "tatibitate" é essencial para não menosprezar esse leitor e para considerá-lo em sua totalidade. Ser criança, e especialmente uma criança leitora, não é ser menos nem ser menos exigente".
Celso Sisto argumenta que a linguagem é o grande trunfo de qualquer escritor. "É sua matéria-prima, seu suporte principal. Mas esse "elemento" também vai mudar de acordo com a faixa de infância para a qual o escritor escreve. Não há regras absolutas! É preciso usar uma linguagem ao alcance da criança, desse leitor que você quer atingir, mas isso não quer dizer usar uma linguagem "tatibitate", pobre e cheia de diminutivos, que apequenam e empobrecem o mundo! A linguagem tem que fluir, tem que ser simples e soar como "verdadeira" (no sentido de não parecer artificial e empolada), mas isso não quer dizer empobrecer o vocabulário (crianças adoram palavras desconhecidas, diferentes, esdrúxulas!)".
Ele também comenta sobre a pontuação e outros recursos. "A pontuação é um item importante, dependendo da faixa etária (ressaltando, de novo, que faixa etária também é um critério apenas sugestivo), o tamanho das frases, o uso de metáforas e figuras de linguagem". E completa o raciocínio trazendo um pouco da sua experiência com a contação de histórias. "Se o livro vai ser lido sozinho ou conduzido por um mediador de leitura, tudo isso muda de figura! Mas a linguagem, evidentemente, tem que estar associada à "voz que conta" a história, à maneira como se conta a história, etc. A linguagem pode ser maravilhosa e a história ser ruim, porque todos os outros elementos estruturais de uma história infantil precisam funcionar bem! O que não pode mesmo é um adulto escrevendo com "cabeça de adulto", altamente racional e apontando o dedo para a criança, numa relação de superioridade", avalia.
Ilustração
"Todo bom autor deve ter a capacidade de criar imagens com palavras", defende Christian David. Nesse sentido, cores, figuras e outros aspectos visuais podem aprimorar o trabalho do escritor e enriquecer a experiência das crianças com os livros. "Essas imagens ficam ainda mais ricas quando acompanhadas de provocações aos outros sentidos. No texto para crianças, nos utilizamos muitas vezes da ilustração, o que pode ser um acréscimo imenso, uma nova camada de percepção, entendimento e interpretação. E o interessante é que a ilustração não precisa somente reproduzir o que está escrito, ela pode criar toda uma narrativa paralela, mostrando outras possibilidades da história, enriquecendo ainda mais a pluralidade de significados de uma narrativa".
Para Celso Sisto, uma boa ilustração depende do trabalho conjunto entre autor e ilustrador. "A função de aliar o texto às cores e outros aspectos visuais não é responsabilidade do escritor, é do ilustrador e de quem vai pensar o projeto gráfico do livro. A ação do escritor, nesse sentido, pode ser a de ter liberdade para escolher quem vai ilustrar o seu texto, porque sabe, com segurança, que "o traço" daquele ilustrador e o seu jeito de interpretar visualmente um texto vai dialogar maravilhosamente bem com o que ele escreveu. Um bom livro mexe com todos os sentidos, sem que isso seja OBRIGATÓRIO!".
Livros X novas tecnologias
No passado, a televisão era vista como vilã ao "roubar" a atenção dos pequenos. Hoje as novas gerações já nascem inseridas no mundo digital, no qual os livros muitas vezes disputam lugar com smartphones, tablets etc. Longe de vilanizar as novas tecnologias, Christian e Celso reiteram a importância da literatura desde a infância e o incentivo à leitura em várias frentes.
"É um desafio para a nossa sociedade e acredito que deve fazer parte de um plano educacional de qualquer governo a valorização do livro e da leitura. Distrações sempre existirão e há espaço e tempo para tudo, mas enquanto a arte e a cultura continuarem sendo o Patinho Feio da sociedade, não iremos longe. Precisamos ver a arte e a cultura como o Cisne que elas são, e então elas terão espaço e valor dentro de cada lar e escola. Individualmente, enquanto a literatura não assume o status devido, podemos ser multiplicadores, apresentando boa literatura para as novas gerações desde o berço e, acima de tudo, sendo leitores. Nossos filhos ou alunos só serão leitores se nos virem lendo apaixonadamente", observa Christian.
Celso aposta no fascínio que as crianças têm por boas histórias. "O desafio sempre é ter uma boa história. Pais atentos, educadores atentos, gestores atentos saberão dosar o uso de toda essa tecnologia digital e os aparatos modernos com outras atividades, tão necessárias para as crianças. É preciso ter alternativas e equilíbrio! Nenhuma criança resiste ao fascínio de uma boa história, mas o convite ao livro e às atividades coletivas ou solitárias e silenciosas dependem da habilidade e da sedução do proponente, do mediador! Precisamos é, paralelo aos bons livros, formar excelentes mediadores de leitura!", conclui.