Escrevendo contos
 



Dicas

Escrevendo contos

entrevista com Julia Dantas


Escrever contos costuma ser um dos primeiros passos na trajetória de muitos escritores iniciantes. Por ser uma narrativa breve e com poucos personagens, o conto exige tramas interessantes que, em poucas linhas, são capazes de prender a atenção do leitor. O contista argentino, Julio Cortázar, dizia que "o romance sempre ganha por pontos, enquanto o conto deve ganhar por nocaute".




Para falar sobre as características desse gênero, convidamos Julia Dantas, professora do Curso Online de Formação de Escritores. Julia é escritora, editora, tradutora e doutora em Escrita Criativa. É co-fundadora da Baubo, escreveu quinzenalmente no jornal Zero Hora durante três anos e foi cronista do jornal Rascunho. Nascida em 1985 em Porto Alegre, publicou em 2015 o romance "Ruína y leveza", finalista do Prêmio São Paulo de Literatura. Foi co-organizadora da antologia "Fake Fiction: contos sobre um Brasil onde tudo pode ser verdade" e publicou o folhetim "Pássaros da cidade" na revista Parêntese. Seu segundo romance, "Ela se chama Rodolfo", saiu em 2022 pela editora DBA. Confira a entrevista.

O que caracteriza um conto e o que diferencia esse gênero de outras narrativas breves, como a crônica e o relato?

Bom, a resposta a essa pergunta poderia ocupar um livro inteiro e, de fato, não há um consenso sobre a questão. Mas, para mim, a diferença essencial (considerando aqui o conto moderno, e não os pós-modernos) está na presença ou ausência de um subtexto. O conto sempre diz algo mais do que parece dizer na superfície, enquanto o relato costuma ter suas intenções bem declaradas. Já a crônica, como boa brasileira, fica num território um pouco ambíguo, podendo assumir muitas formas.

Uma das funções do conto é provocar um efeito. Pensando nisso, como o escritor pode trabalhar o efeito no texto?

Como para muitas coisas na arte da escrita, me parece que a resposta está em ler: ler muito, ler com atenção, ler buscando as engrenagens subterrâneas de cada texto, ler sem inocência. Tem efeitos que poderemos causar com uma trama bem organizada, buscando efeitos de surpresa ou apaziguamento. Outros efeitos podem vir do trabalho de linguagem, se usarmos um tom cômico ou meloso num texto. Então infelizmente, não há resposta única, e cada caso pede um esforço próprio. Mas a dica infalível para testar se estamos criando o efeito desejado é contar com leitores de confiança, pessoas que serão sinceras na sua avaliação do nosso trabalho.

Como escolher um bom tema para transformar em conto?

Qualquer tema pode resultar num bom conto, então a questão aqui não está tanto no texto quanto em quem escreve. Um bom tema é um tema que motiva a escritora a seguir em frente, a não abandonar o trabalho, a insistir na investigação do tema dentro de si. A crise humanitária dos povos yanomami pode ser um tema tão rico literariamente quanto uma unha encravada. Mesmo que no mundo real não haja possibilidade de equiparação entre essas duas coisas, é a fabulação da escritora que pode tornar ambas uma jornada profunda para dentro da natureza humana.

Há quem defenda que um bom romancista é antes de tudo um bom contista. De que maneira a escrita de contos pode ajudar na escrita de outros gêneros?

Não sei se concordo com a afirmação, há romancistas que nunca escreveram contos ou escreveram pouquíssimos, mas é fato que escrever um conto é uma arte dificílima, e uma vez que se domine esta, pode ser mais fácil se aproximar de outras. A necessidade de adensamento do conto pode ser muito útil para qualquer narrativa em prosa, bem como o treino que a escritora de contos precisa desenvolver em cortar trechos, eliminar excessos e buscar o essencial.

Quais autores um contista não pode deixar de ler?

Bom, para se ter uma noção dos pilares essenciais do conto, sempre parece boa ideia ler Edgar Allan Poe, Julio Cortázar ou Lygia Fagundes Telles. Para ler o que veio depois deles, quando o gênero começa a quebrar suas próprias regras, eu recomendaria Lucia Berlin, Murilo Rubião, Natalia Borges Polesso. E, por fim, quem quiser ver possibilidades pós-modernas pode ler Marcelino Freire, Reginaldo Pujol Filho ou Patrícia Portela.

Por fim, quais dicas de ouro você daria para quem quer se aprofundar na escrita de contos?

Ironicamente, acho que uma boa dica é não se prender demais às regras do gênero. É muito bom estudá-las, treiná-las, conhecê-las intimamente, mas no momento mesmo da escrita, é melhor se concentrar naquilo que se deseja dizer e no efeito que se quer causar. Se as regras estiverem interiorizadas, a escritora já tende a seguir o que interessa e descartar o que não servir. Para quem escreve, é sempre bom lembrar que quem define os limites de cada gênero literário são os teóricos. Para nós, basta escrever.



Julia Dantas e Samir Machado de Machado em Papo de Escritor com Marcelo Spalding

 

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