O Velho Avô
 



Contos

O Velho Avô

Jacira Fagundes


O velho avô

Já não éramos tão pequenos para aquele tipo de travessura. Contávamos, na época, dez e doze anos, meu irmão e eu.
Mas na casa do avô, naquele lugar distante do mundo, eram poucas as possibilidades de brincadeiras. Nosso pai havia nos feito a proposta. Naquelas férias, primeiro passaríamos alguns dias no chalé, visitando os velhos da família. Depois pegaríamos o avião para o Canadá.
O avô, na verdade era o avô de nosso pai ? estava muito velho vivendo aos cuidados da filha que lhe sobrara. Nosso pai nos convenceu, alertando de que esta talvez fosse sua última visita ao seu velho avô.
De chegada constatamos o pouco de atrativo que a casa oferecia. Na mesinha de canto da sala, um jogo de xadrez com as peças em madeira escamadas. Ao lado da mesa, uma estante que abrigava alguns livros e revistas. E no balcão, a TV, com o pior som e a pior imagem que alguém poderia imaginar.
Então, entediados, aquela manhã de céu cinzento chamou a mim e ao Zé Mauro para a diabrura.
Era o momento certo de sairmos da sala rumo às investidas nos cantos soturnos da vasta casa onde segredos e mistérios nos seriam revelados.
Nossa meta era o quarto do avô. Zé Mauro torceu a maçaneta e empurrou a porta que, para nossa felicidade, não rangeu. A fresta permitia ver com folga os movimentos do velho.
Pelo jeito que Zé Mauro passou a apertar meu braço à altura do cotovelo e pela respiração atropelada, eu deduzi que ele estava perturbado. Empurrei-o para o lado e foi a minha vez de ver o avô, apoiado na guarda da cama, tentar a façanha de enfiar um dos pés no chinelo porque o outro já estava calçado com uma alpargata azul. Enquanto tentava chegar ao chinelo que lhe
escapava, ele segurava a calça do pijama que teimava em descer. Foi aí que o coitado começou a tossir, uma tosse fraquinha, mas demorada. Acho que a força que fez para tossir é que deve ter provocado a série de ploct...ploct ploct... como se alguém estivesse a estourar pipocas e algumas falhassem.
Ao invés de rir, eu me assustei. Empurrei a cabeça de meu irmão para a fresta. Mas Zé Mauro passou a sussurrar coisas meio bobas; que o avô antes era tão alto e grande, quando foi que ele encolheu, e que nem percebeu a barata enfiada no chinelo, que ele agora coça os braços, e a calça do pijama arriou de vez, e ele coça o saco, onde foi parar a barata?
Vem, Zé, eu lhe dei um safanão. Aqui já perdeu a graça e o quarto tá muito escuro e abafado e este cheiro. Vamos lá pra fora, no pátio, sim, é que a gente pode achar alguma coisa e se divertir, olha Zé, voltou o sol.

Nosso pai tinha razão. Foi a última vez que visitamos aquela casa onde houve, em um tempo, uma tia e um avô, parecendo ambos terem a mesma idade.

Hoje, ao acompanhar da sacada, meus dois filhos adultos com seus filhos, no pátio trocando passes com a bola, me bateu esta saudade.



 

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