Acordo com o som da porta se fechando, sinaliza que ele partiu. Não tinha nenhum lembrete de que ele estivera no quarto na noite anterior, com exceção do cheiro da colônia no travesseiro. Checo a hora no meu celular, percebo que dormimos pouco mais de cinco horas, e isso é mais do que costumo dormir na maioria das noites.
Luto um pouco para me levantar da cama, mas logo saio do quarto, descendo pelas escadas ao invés de pegar o elevador para encontrar os meninos na piscina e tomar café da manhã. Não sei se eles ouviram Martim entrar no meu quarto, e não sei o que dizer se me perguntarem.
Os quatro rapazes já estão sentados na mesa, e eu consigo ouvir suas vozes mesmo à distância. Respiro fundo e estalo os dedos antes de andar até eles, meu olhar fixo nos cachos escuros e amassados de Martim enquanto me aproximo. Todos me cumprimentam com um sorriso e um aceno de cabeça. Até mesmo Martim, que está de costas para mim. Me sento ao lado de Júnior e de frente para o homem de cabelo cacheado que até uma hora atrás dividia uma cama de hotel comigo. Ele está usando óculos escuros, e meu estômago se revira ao pensar que ele pode estar olhando para mim.
Tento me manter entretida na conversa com os outros rapazes, sem conseguir ingerir nada além do café em que eu coloquei muito açúcar. No canto da minha visão, vejo os movimentos dos braços de Martim, que uma hora levam um cigarro à boca e, na outra, uma xícara de café. Ele complementa minhas falas e concorda comigo. Até me sinto mais confortável, mas não o suficiente para olhar diretamente para ele.
Os nós dos dedos de Martim esbarram nos meus quando ele tenta pegar uma torrada e é como um choque. Recolho minha mão imediatamente, quase derrubando minha xícara de café no processo. Peço desculpas a todos na mesa, escondo meu rosto nas mãos, e Pedro brinca dizendo que eu ainda não acordei. Será que ele sabe o que aconteceu ontem à noite? Se ele não sabia ontem, provavelmente sabe agora, pela maneira que eu tenho agido desde que me sentei na mesa. Eu queria realmente ter transado com Martim. Teria sido menos pessoal. Eu conseguiria levar essa manhã com mais naturalidade, como se nada tivesse acontecido, ao invés de fazer todo mundo pensar que nós transamos.
Martim boceja e geme alto. Ele diz a todos, alto e claro enquanto se levanta da mesa, que vai ligar para a Anna. Mesmo que ele ainda esteja de óculos, acho que sorri para mim. Como se ele não estivesse comigo, na minha cama, ontem à noite. Como se ele não tivesse batido na minha porta à uma da manhã para reclamar de insônia. Como se não tivesse sido ele quem finalmente adormeceu com a cabeça em meu pescoço e a mão no meu quadril. Eu sabia que ele tinha namorada quando o deixei entrar. Ele não precisava me lembrar. Não na frente de todos os amigos dele.
Meus olhos começam a arder e o café ameaça subir de volta pela minha garganta, então me levanto abruptamente, e dessa vez consigo derrubar minha xícara de café, que mancha a toalha de mesa branca de marrom. É tarde demais para limpar essa bagunça, para pedir desculpas. Me viro e ando de volta para o meu quarto, minha visão tão embaçada que não percebo em quem meu ombro esbarra no caminho até que Martim chama meu nome. Mas eu não paro de andar. E ele não me segue.
MAIARA LINHARES tem 21 anos e nasceu na Zona Norte do Rio de Janeiro, se mudando para a Zona Oeste ainda na adolescência. É estudante de Biblioteconomia na UNIRIO e apaixonada por todo tipo de arte, principalmente o cinema. Seu diretor favorito é o japonês Hirokazu Koreeda. Inventa e escreve histórias desde os 12 anos como passatempo, mas espera se tornar uma escritora em tempo integral e, quem sabe, roteirista e diretora de cinema. Participa do Curso Online de Formação de Escritores.