O conceito de lugar de fala tem sido muito debatido em oficinas de escrita, e por vezes gerado polêmica. No Brasil, o termo foi popularizado através de seu sentido utilizado pela filósofa Djamila Ribeiro, em seu livro O que é lugar de fala? Segundo a autora, embora não negue o aspecto individual, o lugar de fala confere uma ênfase ao lugar social ocupado pelos sujeitos numa matriz de dominação e opressão, dentro das relações de poder, ou seja, às condições sociais (ou locus social) que autorizam ou negam o acesso de determinados grupos a lugares de cidadania.
"As experiências desses grupos localizados socialmente de forma hierarquizada e não humanizada faz com que as produções intelectuais, saberes e vozes sejam tratadas de modo igualmente subalternizado, além das condições sociais os manterem num lugar silenciado estruturalmente. Isso, de forma alguma, significa que esses grupos não criam ferramentas para enfrentar esses silêncios institucionais, ao contrário, existem várias formas de organização políticas, culturais e intelectuais. A questão é que essas condições sociais dificultam a visibilidade e a legitimidade dessas produções."
Com base nisso, a autora defende a necessidade do "deslocamento do pensamento hegemônico e a ressignificação das identidades, sejam de raça, gênero, classe para que se pudesse construir novos lugares de fala com o objetivo de possibilitar voz e visibilidade a sujeitos que foram considerados implícitos dentro dessa normatização hegemônica."
Mas e na escrita de ficção? Será que um artista pode criar um personagem diferente de si?
Marcelo Spalding, diretor do Curso de Formação de Escritores da Metamorfose, costuma indicar aos alunos que pensem no lugar de fala não como impeditivo para escrever sobre determinado personagem, mas, pelo contrário, como indício de personagens que soariam mais verdadeiros e profundos. Por exemplo, o risco de um homem hétero escrever uma personagem mulher homossexual de forma fetichizada ou estereotipada é enorme. Mas digamos que esse homem seja um militante de causas ambientais. Por que não criar um personagem ambientalista, especialmente se for seu primeiro livro?
"No fim das contas, o risco é o estereótipo, reforçar estereótipos, tornando o texto pior e correndo o risco de desrespeitar grupos sociais. Então na ficção podemos e devemos criar personagens diferentes de nós, mas é preciso compreender o lugar de fala, o lugar social que ocupamos, e partir dele na construção desses personagens. Além disso, é importante conversar com pessoas desses grupos e, se possível, até pedir que elas leiam o texto depois de escrita. No fundo, são duas palavrinhas que resumem isso, empatia e alteridade."
A escritora Júlia Dantas, professora do Curso de Formação de Escritores, também afirma que o exercício de escritores é sempre se colocar no lugar do outro, mesmo que esse outro tenha sido inventado por nós. O cuidado que precisa existir é com o que o texto está dizendo sobre estas pessoas diferentes do autor para não reforçar algum estereótipo nocivo a um outro grupo social. É importante estudar e ter cuidado ao falar daquilo que a gente não conhece por dentro.
Nesse sentido, a autora sugere algumas dicas:
- Ter um comportamento ético, não apenas estético, de me inteirar do que é isso que eu quero falar
- Entender as motivações, algumas podem ser tema inclusive de terapia: Por que eu quero um personagem gay? Por que eu quero um personagem negro? É só porque está na moda? Só porque agora circula mais? É porque me atrai?
- Sempre é válido pedir que outras pessoas leiam o texto porque às vezes a gente comete sem querer, atos de preconceito, frases de preconceito.
Confira a opinião de Julia Dantas sobre lugar de fala no vídeo acima.