Na vida há sempre um professor que deixa marcas, não apenas na nossa formação, como também nas descobertas e sentimentos. No colégio, tive uma professora de português que tinha um jeito especial de ensinar. Suas aulas eram claras e vibrantes e ela conseguia a proeza de fazer uma aula de análise sintática parecer interessante. Ela demonstrava gostar do que fazia, no entanto, não parecia ter a menor preocupação de observar os princípios básicos da pedagogia no trato com os alunos. Passadas muitas décadas, lembro-me com gratidão dessa professora, que mesmo por caminhos tortos, me ajudou a fazer as pazes com a língua potuguesa.
D. Neide aparentava ter uns cinquenta anos, tinha a pele muito clara, que contrastava com os cabelos pretos, quase azulados, e com o batom vermelho que sempre usava. Vestia-se muito bem, mas seus vestidos caros, quase sempre de tecidos leves e de cores vivas, não lhe assentavam bem, pois apresentava o abdome e os seios proeminentes. Tinha uma voz firme e grave e com sua autoridade conseguia disciplina total. Era exigente com relação às provas e aos cadernos de sua matéria, e dava especial importância à realização dos deveres de casa pelos alunos. Suas aulas começavam sempre convidando um deles para ir até a sua mesa; nesse momento ela corrigia a tarefa exigida para aquele dia e rapidamente revisava os cadernos.
Ninguém sabia quando seria chamado e temíamos esse momento porque os erros e, principalmente, a falta de capricho eram comentados em voz alta e repreendidos com duras palavras. Quase chorei de pena do colega José Antônio, quando D. Neide falou aos berros: "Que horror! Os exercícios estão mal feitos e cheios de erros, aqui, aqui e aqui. Corrija tudo e traga na próxima aula! Melhore a letra e lave as mãos antes de fazer o dever. O seu caderno está imundo!"
Eu olhava para o colega humilde que a cada palavra da professora ia abaixando mais e mais a cabeça. As marcas de suor apareciam na sua camisa de uniforme, puída e amarelada. As suas bochechas grandes e ruborizadas pareciam que iam explodir de tanta vergonha.
No dia em que D. Neide me chamou pela primeira vez, levantei-me temerosa e fui lá para frente com os meus cadernos. Na semana anterior, eu tivera uma gripe com febre alta, e minha mãe contou que, em meus delírios, mencionara o nome da professora. A doença me fez perder vários dias de aula, mas consegui, com a ajuda de uma colega, fazer todos os exercícios determinados.
Fui caminhando em direção à professora e me veio à mente a vergonha que já sentira, quando no primário era chamada ao quadro e não conseguia resolver um problema de matemática ou quando errava a tabuada. Temia passar novamente por esse tipo de constrangimento que, só de lembrar, me provocava uma sensação estranha de estar diminuindo de tamanho até sumir. Fico intrigada ao pensar em como, às vezes, me esqueço de fatos interessantes e que me são lembrados por outras pessoas, enquanto algumas recordações, aparentemente menos importantes, surgem como fantasmas que me perseguem, quase sempre para ferir.
Enquanto os meus trabalhos eram examinados, eu aguardava ao lado da mesa, de pé com o corpo rígido, as mãos geladas e aquele frio na barriga tão familiar. Porém, ao contrário das minhas expectativas, a professora gostou do que viu. Ela parecia bem humorada naquele dia e não poupou elogios ao falar da letra, da organização e da correta execução dos exercícios.
Eu tive, pela primeira vez, uma experiência que identifico, conscientemente, como sendo a que deflagrou um sentimento que me acompanhou por muito tempo, talvez até hoje. A demonstração de reconhecimento, por se tratar de algo muito raro vindo daquela professora, me fez sentir orgulho pela aprovação do trabalho que me custara muito esforço, tendo em vista as aulas que perdera. Aquele breve instante, em que fui elogiada na frente dos colegas, tornou-se um estímulo para que eu me esforçasse ainda mais. O fato é que, na imaturidade dos meus doze anos, eu não reconhecia em mim outros atributos, e pensei que essa seria a única maneira de ser notada. Não chegava a almejar ser a primeira da classe nem a competir por notas, só desejava, ardentemente, viver outros momentos como aquele.
Durante o tempo em que eu aguardava a avaliação da professora, tive a sensação de que o tempo havia parado. Depois de ouvir os elogios e de receber de volta os meus cadernos, respirei fundo e pude enfim, aliviada, sentir o perfume forte e agradável que D. Neide exalava.
Janeth de Oliveira é mãe de três filhos e vive em Brasília. É farmacêutica e professora aposentada da UnB. Sempre gostou de ouvir e ler histórias, dedica-se agora a aprender a arte de escrevê-las. Participa do
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