Fotos antigas e lembranças iletradas
 



Contos

Fotos antigas e lembranças iletradas

Afonso E. G. Markmann


Aquilo que não entendemos nos move em direção ao conhecimento. Quando crianças, usamos nossa imaginação para criar sentido às coisas que nos são estranhas. Em minha fase de alfabetização, um colega de escola e eu nos víamos às voltas com um livro didático para alunos maiores. Era um espiralado velho que só estava em nossa sala como material para atividades de recorte e colagem. Com nossas habilidades de leitura ainda engatinhando, não conseguíamos decifrar muitas palavras daquele livro. Então por que insistíamos em folheá-lo durante períodos livres e recreios chuvosos, sempre torcendo para ninguém o ter cortado?

A curiosidade.

Uma das páginas trazia uma fotografia antiga em preto e branco. Um grupo de pessoas - em sua maioria crianças - nos encarava com feições bastante sérias, beirando amedrontamento. Entretanto, o que mais chamava atenção era a presença de um homem alto, o rosto em parte ocultado pela gola de um sobretudo. A parca qualidade da imagem só aumentava a aura de mistério que a foto transmitia. No alto de nossos seis anos de idade, meu colega e eu criávamos uma miríade de teorias a respeito da composição. Seriam aquelas pessoas todas da mesma família e moravam na casa que estava atrás delas? O que elas fizeram logo depois de a foto ser registrada? E o mais importante: quem era o homem de sobretudo e quais seriam suas intenções? Tínhamos certeza de que ele era um estranho em meio ao grupo, e sua presença nos deixava inquietos. Um fantasma? Um assassino? O texto que acompanhava a imagem provavelmente nos traria uma resposta, mas não o entendíamos e nunca pedimos que a professora nos ajudasse. Em nosso jovem subconsciente, sabíamos que, uma vez sanada a dúvida, perderíamos o prazer de imaginar a história por trás da curiosa foto e a magia seria quebrada.

Os anos foram passando, o livro se perdeu no tempo e me tornei professor de Língua Inglesa. Sempre que me pego pensando nessa história, sei que hoje eu gostaria de saber do que aquilo tudo realmente se tratava. É bastante provável que fosse apenas uma imagem acompanhando um texto e alguns exercícios sem nada de extraordinário. Se tivessem me dito isso na época minha imaginação poderia ser sepultada lá mesmo, velório com caixão fechado e tudo.

O que quero dizer é: hoje me interessa saber sobre esse tipo de detalhe, mas qual o sentido em estragar a magia da curiosidade e da imaginação para uma criança? Sim, o método científico e a apuração da veracidade dos fatos são competências cruciais e devem ser ensinadas aos nossos alunos. Entretanto, não se pode negligenciar a área criativa e todo o resto que vem com ela. É preciso provocar a imaginação para as outras áreas da aprendizagem serem beneficiadas. Não apenas com crianças, mas com todo tipo de aluno.

E, como sempre dizem, todos somos eternos alunos.


Afonso E. G. Markmann superou seus medos de infância através dos livros de terror. Com um pouco mais de coragem, escreveu contos inspirados em lendas urbanas até lançar seu primeiro romance, Dupla Exposição Negativa. Participa do Curso Online de Formação de Escritores.

 

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