Com toda a certeza, o processo criativo na literatura é sempre um assunto que rende dúvidas e curiosidade. Por isso, quanto mais falarmos sobre esse tema e trouxermos exemplos de como funciona para outros escritores, mais fácil será criarmos o nosso próprio caminho, nosso próprio jeito de fazer literatura ou trabalhar com a escrita de alguma forma.
Com esse propósito, entrevistamos a escritora, editora, tradutora e doutora em escrita criativa Julia Dantas, que nos ajudou a aprofundar este tema contando como ela constrói e vive o processo criativo no dia a dia. Confira!
Sobre a rotina de escrita
Muito se fala na importância de ter e manter uma rotina de escrita. Mas isso depende do objetivo e de quanto a escrita está presente na rotina de trabalho da pessoa. Por exemplo, se você tem um trabalho diário que não envolve escrever, a escrita obviamente ficará em segundo plano, talvez como um hobby, um lazer reservado para as horas vagas.
Já se você trabalha com a escrita embutida, ou seja, se no seu trabalho você precisa escrever, não necessariamente como escritor, a escrita será mais naturalmente inserida na sua rotina.
Seja qual for o seu caso, é importante dar à escrita o espaço proporcional aos seus objetivos com ela. Para exemplificar, se você deseja ser um escritor e não trabalha com a escrita no seu dia a dia, você precisa pensar em uma maneira de se dedicar mais à escrita e à leitura.
E para isso é preciso repensar a rotina e fazer uma gestão do tempo mais estratégica. Excluir ou delegar alguma tarefa que está tomando muito do seu tempo, terceirizar o que é possível, demitir alguns clientes ou trabalhos. Enfim, são atitudes sobre as quais você pode pensar a respeito.
Segundo a escritora Julia Dantas, por exemplo, falar que existe uma "rotina" de escrita seria um exagero. "Eu nunca fui de ter horas fixas para a escrita, e meu ramo de trabalho nem permitiria tal luxo. Então o primeiro ponto é que a escrita é possível para mim nos espaços vagos do resto da vida".
Julia notou que ela tem dois funcionamentos possíveis: um é das fases em que ela tem muita vontade de escrever, e esse desejo se concretiza em todos os mini intervalos possíveis; outro é das fases em que ela tem muita vontade de terminar de escrever, mas sem muita vontade de escrever de fato, e nesses períodos ela se força a pelo menos tentar, se força a sentar e encarar a página em branco e tentar.
Esse se forçar a tentar é um esforço em boa parte físico, como frisou Julia. Se forçar a sentar, se forçar a segurar um caderno e uma caneta, se forçar a manter longe as distrações eletrônicas e, a partir daí, ver o que acontece. Quando há muita resistência, a escritora se propõe desafios fáceis como colocar a caneta no papel e escrever sem parar só até o final de uma determinada música, e então geralmente acontece de a coisa destravar.
Todo esse esforço ajuda, inclusive, a evitar e a trabalhar mesmo quando os famosos bloqueios criativos acontecem.
Como conciliar os diferentes processos criativos que cada tarefa ou trabalho exige
Mesmo dentro da literatura, podem existir diferenças nos processos criativos e cada tipo de texto ou de cada trabalho. O processo pode ser um para a escrita de contos, por exemplo, e outro bem diferente para a escrita de narrativas longas.
Quando perguntada sobre como concilia os diferentes processos criativos dentro dos trabalhos como editora, tradutora e escritora, Julia respondeu que apesar de tudo ser literatura, são funções bem diferentes.
"Trabalhar com edição e tradução é entrar no mundo de outra escritora, tentar pensar como ela pensa, é um pouco como pensar com outra cabeça. Então esses são momentos de profunda alteridade, que eu adoro. Enquanto que escrever, embora sempre envolva alteridade quando se trata de ficção, envolve muito mais um mergulho interior. São coisas muito diferentes, mas que, no fim, se complementam".
Dentro dessa linha, é importante identificar qual é o processo criativo que você precisa percorrer para desempenhar cada tipo de trabalho, dentro ou até mesmo fora da literatura. Dessa forma, você é capaz de enxergar o todo e de mudar o que for necessário para ajustar a rotina conforme os seus objetivos.
Esse "sair do automático" é fundamental para levarmos a vida que desejamos levar e não deixar que ela simplesmente nos leve.