O livro
Os porquês da poesia, lançado em 2021 pela Editora Metamorfose e pela Toca Editora, traz textos dos poetas Luis Pokorski, Marcelo Rocha, Rafael Figueiredo e Vera Verissimo, sobre processos de criação e percursos de suas escritas literárias, delimitados pelas perguntas: Por que escrever? Para quem escrever? Como escrever? E, finalmente, o que pode um poema?
As perguntas, sabemos, nem sempre chegam a uma resposta. Muitas vezes, desdobram-se em outras perguntas. Mas, isso não é problema. O próprio exercício de questionar une a arte, a psicologia e a reflexão acadêmica. Cada poeta, em sua diferença, apresenta perspectivas instigantes sobre a escrita, a obra literária, a leitura e os leitores.
Esse livro também celebra o encontro. Em um período difícil em que passamos por isolamento social, em função da pandemia, a arte serviu como motivo para estreitar laços e buscar compreender o fascinante mundo da linguagem poética. Talvez, no fundo, a literatura seja mesmo a arte do encontro e, por isso, poesia e diálogos são infindáveis.
Para aprofundarmos este assunto, convidamos os autores do livro para responder a essa pergunta:
Por que escrever poesia? Confira as respostas na íntegra.
Luís Antônio Franckowiak Pokorski: Primeiro escrevi poemas. Foi o que me veio à memória, diante do convocante e invocante "Por que escrever poesia?". Num segundo momento, me perguntei sobre o poema e a poesia. Poético, poesia, poemas, empoemar-se, poetizar remetem-nos ao étimo poiesis, que significa criar. Paulo Freire afirma a palavra como forma de falar, dizer o mundo. Michel Maffesoli vê a escrita como uma maneira de inventar mundos. Cada um de nós se funda no humano pela palavra. Ela nos coloca na dimensão da consciência. Somos o que tecemos pela palavra.
Ao escrever um poema ao saboreá-lo acolho o meu espantamento e a minha admiração atravessados pelo poético, pela poesia, pelo existir. Viver é sentir e pensar o mundo, a realidade. A palavra é permeada, tecida (se faz texto) pelo afeto e pelo pensar indissociáveis. Todos temos uma poeticidade interior, atravessados que somos pela palavra que afirma o nosso ser,
poiesis pulsante. No escrever poesia, nos editamos, nos afagamos pela palavra que nos gesta, nos cria. Escrevemos nossa identidade, afagamos a nossa vida, afagamos o nosso ser. Escrever poesia é viver em estado poético.
Marcelo Rocha: Tenho dúvidas se a escrita da poesia precisa ter um porquê. O título do livro é, propositadamente, provocativo nesse sentido. Porém, sob o ponto de vista teórico e mais formal, a escrita poética vincula-se a uma linguagem desviante ou desautomatizada, ou seja, distinta da linguagem cotidiana e utilitária a que estamos acostumados. Assim, um poema, em sua opacidade, trabalha com a palavra em falta e implica um diálogo com o leitor a partir de imagens simbólicas, de silêncios (partilhados) e diferentes percepções da realidade.
Por outro lado, o ato da escrita poética se confunde ao menos para mim com a própria existência. A vida, assim como a poesia, é marcada por ritmos, sons, imagens e sentidos. Desse modo, a poesia pode ser também uma maneira de enxergar a realidade e a vida, inextricável a determinadas pessoas, e aí concordo com o poeta mineiro Cacaso que relaciona a poética com a própria biografia da seguinte forma: Poesia/ Eu não te escrevo/ Eu te vivo/ E viva nós!.
Rafael Figueiredo: Acredito que a poesia, no seu sentido mais amplo, é uma coisa natural em nós. Desde o princípio dos tempos, o ser humano busca expressar a sua subjetividade, a carga que não dá conta. Escrever, pintar, cantar, são meios de dar forma a estes afetos sem nome que nos habitam. Não à toa a psicanálise e a filosofia moderna voltaram suas lentes para o que chamamos de ato poético. Pois, sem ele, quem sabe, o sentimento trágico da vida se tornasse insuportável. É claro que desde o seu surgimento a poesia passou por muitas mudanças até chegar ao que conhecemos hoje, já que a sua origem se confunde com a origem da própria linguagem. E tudo é linguagem.
Por isso não tenho dúvida de que somos todos poetas, e de que a poesia habita a alma humana. Alguns escrevem com a ponta dos dedos, outros com o corpo, há também quem escreva com argamassa, cimento e tijolos; com os olhos, pedras e madeira; tanto faz, há muitas formas de escrever um poema. E, talvez, no fundo, nem tenha um porquê. Mas o importante, na minha opinião, é que estejamos presentes, cem por cento, neste processo. Desse modo, o ato poético cumpre seu objetivo final, que é ser ponte entre essas tantas faces que temos.