Os sonhos cobrem-se de pó.
Um último esforço de concentração
morre no meu peito de homem enforcado.
Tenho no meu quarto manequins corcundas
onde me reproduzo
e me contemplo em silêncio.
Os Manequins - João Cabral de Melo Neto
De um modo geral, quando pensamos em imagem poética o que nos vem à cabeça são imagens elaboradas de um jeito afetuoso, lírico e muitas vezes saudosista. Figuras da memória que emergem na embriaguez do devaneio. Até mesmo as narrativas darão luz à criação de incríveis figuras, quadros em movimento mundo adentro da imaginação, que não deixam de ser poesia em seu estado mais puro. Como não pensar em imagem poética ao lermos trechos como este:
Enxerguei nosso pai, no enfim de uma hora, tão custosa para sobrevir: só assim, ele no ao-longe, sentado no fundo da canoa, suspendida no liso do rio
A prosa poética de Guimarães Rosa é, talvez, um dos melhores exemplares de imagens construídas a partir da linguagem poética. Mas há uma certa característica que distingue a narrativa poética da imagem. O poeta, Pierre Reverdy, em seu artigo sobre imagem poética nos dá uma dica sobre esta pequena mas importantíssima diferença entre elas:
"A imagem é uma criação pura do espírito. Ela não pode nascer de uma comparação, mas da aproximação de duas realidades mais ou menos distantes."
Para ele, assim como para muitos poetas como Octavio Paz, Manuel Bandeira, Murilo Mendes, entre outros, a imagem poética está na manifestação daquilo que transcende a linguagem e por isso só poderá se concretizar a partir da união de dois elementos distantes. Pensemos em imagens como O cão sem plumas de João Cabral de Melo Neto ou Chão de estrelas, canção de Orestes Barbosa e Sílvio Caldas. Nestes dois casos os elementos Cão e Chão não pertencem ao mesmo universo dos elementos Plumas e Estrelas. Sobre esta, que é a principal diferença entre a imagem e a imagem poética, o mexicano Octavio Paz, poeta e teórico da poesia moderna, nos diria algo bem parecido:
A imagem não explica: convida-nos a recriá-la e literalmente a revivê-la. O dizer do poeta se encarna na comunhão poética. A imagem transmuta o homem e converte-o por sua vez em imagem, isto é, em espaço onde os contrários se fundem
Neste trecho, Octavio nos traz algo além do que já havíamos visto até aqui. Quando ele afirma que a imagem não explica o que está dizendo também é que a imagem poética vai além da metáfora, figura costumeiramente confundida com imagem poética. Mas vejamos, o poeta não quer dizer, ele diz. E dizendo o que quer afirma o que vê, e não uma imagem explicativa, metafórica, mas algo que a própria linguagem não é capaz de explicar, e assim, emerge sólida e viva uma expressão do inaudito. Essa expressão ganha espaço no poema e não deve ser explicada. De outra forma perderá o lugar de imagem poética para se tornar uma explicação.
Pierre Reverdy
"A imagem é uma criação pura do espírito. Ela não pode nascer de uma comparação, mas da aproximação de duas realidades mais ou menos distantes."
Octavio Paz em "O Arco e a Lira"
A imagem não explica: convida-nos a recriá-la e literalmente a revivê-la. O dizer do poeta se encarna na comunhão poética. A imagem transmuta o homem e converte-o por sua vez em imagem, isto é, em espaço onde os contrários se fundem. E o próprio homem, desenraizado desde o nascer, reconcilia-se consigo quando se faz imagem, quando se faz outro.