Se não fosse pelo seu pai, você não teria essa oportunidade e não estaria onde está.
A senhora sempre diz isso, eu já sei, mãe.
Sabe, e por que não dá valor? Tá sempre reclamando.
Eu não tô reclamando.
Nunca tá satisfeita, sempre arruma um defeito. E agora a escola.
A escola o quê? Eles não gostam de mim e sempre implicam. A senhora sabe que é verdade.
É uma reclamação atrás da outra retrucava a mãe. Uma hora é você que não se enturma, outra hora é falta de concentração. Você não quer participar das coisas. Assim fica difícil!
Por que você não me tira de lá então? Eu não quero ir mais.
Eu falei com o seu pai que você é mal agradecida, e não dá valor ao sacrifício que ele faz por você.
Agora deu pra inventar que tá doente pra não ir à escola.
Eu não fico inventando. Vocês não acreditam em mim.
Como eu vou acreditar, depois das coisas que você anda fazendo pra chamar a atenção?
Do que a senhora tá falando?
Quantas crianças negras têm a mesma oportunidade de estudar numa escola como essa? perguntava a mãe enquanto a menina chorava. E as suas amigas são de boa família, isso você não vê.
Eu não conheço crianças negras na minha turma, porque lá não tem. E por isso eu sou obrigada a ficar? Eles nunca gostaram de mim. Eu sou diferente deles e não tenho amigas. Não adianta conversar isso com você, mãe. Você não me entende.
Eu entendo que você tá de teimosia, e tá deixando o seu pai triste. Logo ele que faz tanto por você. Vê se muda o seu jeito, e dá mais valor as coisas que você têm.
A menina saiu batendo os pés em direção ao banheiro, abriu o armarinho e pegou a prancha alisadora para cabelo, enquanto as lágrimas escorriam.
Ela acha que eu quero chamar atenção - disse baixinho a si mesma.
Ana Paula de Oliveira Souza mora em Petrópolis, RJ, e é formada em psicologia. Participa da
Oficina Literária Online.