Caríssimo Dr. Agusto Dietrich Weber, venho por esta atualizar- lhe a respeito do caso de Ágatha S.C. Refiro-me àquela menina cuja avaliação fiz e repassei os documentos ao Conselho Hospitalar, no intuito de avaliar a possibilidade de intervenção.
Os relatos daquela família, interiorana e humilde, não me preocuparam de início. É comum por essas bandas todo tipo de relatos insólitos, sejam advindos de pessoas pouco estudadas ou impressionáveis, todavia vai ver que minha intuição foi correta.
Vivem lá, todos na tal chácara, os pais, os três irmãos e Ághata a mais velha, já entrando na adolescência. Têm animais, plantam, vão a cultos religiosos regularmente. Só se deslocam à Capital em casos de extrema necessidade. Vida mundana, não parecem do tipo sensacionalistas, por isso lhes dei ouvidos, ignorando o que parecia esdrúxulo.
Sem quaisquer históricos de doenças mentais prévias, e mesmo submetida aos check-ups rotineiros, não demonstrou nenhuma razão médica para os sintomas apresentados. Mais à frente, percebemos irrelevantes essas avaliações, já que os sinais foram testemunhados por um grande grupo de espectadores, e nem mesmo são fisicamente explicáveis. Sim entendo que possa haver descrença a priori.
Se eu mesmo não os tivesse visto pessoalmente, poderia até considerar algumas das situações apenas fruto de uma família disfuncional, com uma jovem tentando chamar a atenção para si. Algumas vezes, considerei eu mesmo parte de algum tipo de surto coletivo. Temia estar certo e estar ali perdendo meu tempo. Agora, me gela a alma espinha a possibilidade de estar errado, e estarmos lidando com o incompreensível.
Após entrevistar a todos, iniciei a avaliação e tratamento do caso. Deixando de lado matérias anteriores à minha chegada, portanto não verificadas pessoalmente, como objetos se espatifando ou se movendo sozinhos pela casa. Me foquei na fisiologia, verifiquei uma febre anormal, que não baixava com os remédios que dispunha. No entanto foi além, pois o termômetro marcava mais de quarenta e cinco graus! Os delírios verbalizados em alto e bom som saídos da boca da infante continuavam, ela já devia estar convulsionando a essa altura, mas continuava sua ladainha repetida. Absurdos, pensei.
O casebre tinha uma peça só. Eu atendia a paciente, enquanto a mãe consolava os meninos em um canto. O pai, assessorava-me como podia, por mais de uma vez segurando sua filha a cama, pois em certo ponto se contorcia de maneiras assustadoras, desafiando a anatomia humana com suas articulações virando em ângulos não naturais, ainda com potência muscular maior que a de um homem adulto.
Desistimos de tentar socorrê-la, confesso, à medida que seu delgado corpo levitou quase dois metros acima dos lençóis. Alguns até arriscaram fugir da morada nesse instante, isso antes de todas saídas se fecharem abruptamente, trancando-se por conta própria. Restou, a todos, não me envergonho de dizer aqui, chorar e gritar de desespero. No meio da balbúrdia, quase já não dava para ouvir a voz bitonal, saída de qualquer lugar menos da garganta de uma menina de doze anos. Esta que veio a falecer a seguir. O próprio Pai, com revólver, deu cabo. Sua culpa o fez tirar a própria vida a seguir.
Torço por futura divulgação e estudo deste caso. Minha última vontade de fato, antes de seguir para o vazio. Faço isso são e consciente. Qualquer coisa é melhor, pois nada na ciência moderna tirará de minha memória, aquela voz saindo da pequena Ághata:
...DO ABISMO ELE SE LEVANTA! ELE ESTÁ CHEGANDO!...
Fernando Cruz é aspirante a escritor, fonoaudiólogo, funcionário público. Com 33 anos, um porto-alegrense, desde sempre. Leitor voraz e cinéfilo. Objetiva escrever contos, romances e roteiros. Participa do Curso Livre de Formação de Escritores.