Eu estou ansioso. Você, que está lendo, também deve estar. Conforme pesquisa feita pelo Instituto Ipsos com 16 países, o Brasil é o que mais sofre com transtornos de ansiedade por causa da pandemia: quatro em cada 10 brasileiros têm experimentado algum nível de transtorno (41%) devido ao momento que vivemos. É um cenário que deixa marcas ansiosas, afinal, seus consumidores também estão. Por isso, o exercício de desenvolver um planejamento estratégico neste período é desafiador como um livro no capítulo 1. Não temos histórico, nem referência, e as coisas mudam ao soprar das novidades. Sabemos que planejamento é preparar o trilho pra um trem que vai passar. Mas se você não sabe como será o trem, como se preparar para a sua passagem?
Planejar para uma marca no cenário de hoje é como montar uma narrativa. Todo autor precisa encontrar um sentido para a sua história e todo personagem só deve vivenciar situações que o modifiquem de alguma forma. Se não agrega ao todo, o editor vai "cortar fora". Se é vazio, cai. Se é superficial, merece sair. É o que podemos chamar de "concisão literária". Do mesmo modo, o consumidor em épocas tão incertas quer ver sua marca como agente transformador da sociedade e, por essa razão, as ações realizadas, mais do que nunca, devem se relacionar com um propósito e expandi-lo de modo prático às comunidades relacionadas. Não é fazer por fazer, é fazer porque tem sentido.
Outro atributo utilizado quando se escreve um livro é a "verossimilhança". Ao contrário do que muitos pensam, verossimilhança não fala de ser fiel à realidade e, sim, de ser fiel ao seu próprio universo ficcional. Em Dom Casmurro, se Bentinho pegasse uma vassoura e saísse voando, poderíamos dizer que aquela narrativa seria inverossímil. Agora, em Harry Potter, se vemos o protagonista fazendo o mesmo, não poderíamos dizer isso, afinal o ato faz sentido dentro do universo criado.
É a mesma coisa com uma marca. Uma pesquisa da Kantar revelou que 25% dos entrevistados desejam que marcas ajudem consumidores no dia a dia de forma prática e ágil. Cada marca tem seu próprio universo, ou territórios, então é importante entender qual é o papel dela dentro do universo que habita: quais são seus poderes e de que jeito ela pode emprestar sua especialidade para ajudar ao redor de maneira efetiva? Na hora de desenvolver uma estratégia, é preciso mais do que criar por criar, devemos olhar com os olhos do consumidor e entender quais são suas dores mais urgentes.
Em um mundo conectado, redes sociais acabam por agendar assuntos e é comum marcas caírem na armadilha de se posicionar fora de seus universos porque "todos estão falando disso". Como explica Marcelo Spalding no livro Escrita Criativa, "clichê é uma construção utilizada à exaustão em determinada cultura [...], desgastada e descartável". Esses "posicionamentos" vazios são como clichês numa obra literária, você pode até aturar no calor do momento, mas no dia seguinte se tornará apenas mais um em meio a um turbilhão de telas pretas sem sentido. Se posicionar é mais do que agir. Posicionamento tem a ver com (1) escutar os públicos relacionados, (2) implementar medidas práticas e condizentes com o seu universo e só depois (3) comunicar. Sem os três pilares qualquer ato se torna desgastado e descartável.
De certa maneira, a ansiedade é a necessidade de controlar o futuro para evitar que algo ruim aconteça. Por isso, em época de incerteza, é preciso se voltar para a essência da marca e entender como ela faz a diferença para os consumidores. Uma marca é um livro a ser contado e do mesmo modo que uma personagem tem um objetivo a ser atingido, a marca tem um propósito para ser compartilhado. E nessa leitura, todos devem avançar juntos.
Luan Pires é planejamento, escritor e jornalista. Participa do Curso Livre de Formação de Escritores.