Nessa conversa com o escritor Marcelo Spalding você vai saber mais sobre a importância dos diálogos para uma história. Spalding organizou em 2018 a primeira edição da coletânea Diálogos, e em 2020 está organizando um segundo livro com a mesma proposta.
Na tua opinião, o que é mais importante para criar um diálogo: a história ou o ritmo?
As duas coisas são importantes. A história é fundamental, como em qualquer narrativa, pois precisamos envolver o leitor, cativá-lo com bons personagens, bons enredos. Mas o ritmo é fundamental em um diálogo, ele não pode ficar arrastado, artificial. Ele precisa ser natural, envolvente, como se estivéssemos ouvindo os personagens. Um bom exemplo é o conto Feliz Ano Novo, do Rubem Fonseca, que embora não seja apenas feito de diálogos, mescla incrivelmente o narrador em primeira pessoa com o diálogo.
Qual é a importância dos diálogos para uma história?
Essa pergunta o autor precisa se fazer sempre: qual a importância do diálogo para a MINHA história? Por que em determinado trecho ou cena eu, narrador, vou abrir mão de narrar e deixar o diálogo em primeiro plano? É preciso cuidar com o excesso de diálogos, procure desenvolver mais a cena, utilizar mais a narração, mostrar mais. Certa vez um autor disse que muitos novatos usam o diálogo como bengala, e que o diálogo não pode ser a bengala do escritor, ele precisa aparecer quando é fundamental. A não ser, claro, que a proposta seja exatamente escrever um Diálogo, um texto do gênero diálogo,
como os que temos aqui.
Quais os maiores desafios na criação de um diálogo?
A pontuação/organização do diálogo é importante. Alguns vão dizer que é mero formalismo, mas sem isso o leitor se perde. Mesmo Saramago, com aquele código próprio, tem uma constante nesse código e aos poucos o leitor entende bem o que é narrador e o que é personagem.
Fora isso, é preciso dar personalidade linguística aos personagens, de forma que a gente saiba quem está falando apenas pela linguagem, pois as pessoas não falam todas da mesma forma, e isso deve se refletir no seu texto. Como escreve Anne Lamott, "você deve ser capaz de identificar cada personagem pelo que ele diz, é preciso ter certeza de estar ouvindo o que eles dizem mais alto do que aquilo que você diz".
Outro problema é que muitas vezes o diálogo soa artificial, os personagens falam como se estivessem escrevendo, formais, organizados. Em um diálogo é importante que a gente tenha a sensação de que os personagens realmente estejam falando, com algumas marcas da oralidade, frases mais curtas, vocabulário mais simples. Ainda mais se for uma situação coloquial e contemporânea.
Quais os principais pontos a serem observados ANTES de escrever um diálogo?
Tenha clareza sobre por que usar diálogo naquele momento, como seus personagens falam e cuide para não se perder ao longo dos turnos. Chamamos de turno a fala de cada personagem, quando troca o personagem que está falando, troca o "turno". Nesse sentido, há três formas de não deixar o leitor se perder: usando a marcação do narrador (João disse, Fulana perguntou); usando o vocativo, que deve sempre estar isolado por vírgulas; usando a personalidade linguística.
Como definir a linguagem de um diálogo?
A questão é como definir a linguagem de um personagem. Isso é uma parte importantíssima da composição do personagem. Quem faz muito bem isso são as telenovelas, há diversos personagens que ficaram marcados pela sua personalidade linguística, seja pelo uso de expressões (na chon, o must), pela dicção, pelo vocabulário, pelo grau de formalismo.
Outra questão complexa é como representar essa linguagem na escrita. Sugiro ter muito cuidado com a representação da fala na escrita, com mudanças ortográficas e supressão de letras. Primeiro porque pode revelar um certo preconceito linguístico, já que não é só aquela população que fala de forma distinta da língua culta, todos nós falamos de forma distinta do que escrevemos. Segundo, e mais importante, é que precisa haver coerência linguística e função ficcional para esse tipo de intervenção. Se é relevante para a história identificar que o personagem diz "nós é" ao invés de "nós somos", claro que o autor pode se dar essa liberdade. Mas terá de manter a coerência, não pode adiante escrever, por exemplo, "se eles fossem". Terá de simplificar a sintaxe, "se eles for".
Escrevi um texto certa vez sobre o preconceito linguístico no romance Cidade de Deus.
Quais os diferenciais de uma história feita somente de diálogos?
Gosto muito de histórias feitas apenas com diálogos, pois elas são ágeis, nos envolvem. Algumas pessoas criticam, acham que fica parecendo teatro ou cinema, mas o fato de não haver o personagem ali falando, de nós estarmos imaginando o contexto em que ocorre aquela conversa, é muito interessante, pode potencializar o efeito do texto.