Manhã fria
 



Poesias

Manhã fria

Rafaela Chor


As ruas pareciam vazias
Contornadas por sombras de gritos
Num beco
Importante para uns
Irrelevante para outros
Irrelevante para aquele que caminha e escuta o grito tapado por mãos calejadas
Grito pouco
Sumido
Jogado fora
Ela, antes enxotada da luz do dia por tantos olhos
Olhares que lhe sugavam a vida
Pessoas julgavam sua maquiagem
Ombros largos
Falo entre as pernas que lhe detinha
Qualquer trocado recebido lhe custava o orgulho
A sanidade
Idade
Cuja mínima ela apresentava ao ser expulsa de casa para o asfalto ácido
Os pés esmagam qualquer planta que tente nascer entre as rachaduras
Profundas
Ninguém via o broto verde querendo emergir
Ninguém a enxergava querendo tomar fôlego em meio a sociedade em que foi criada
Cidade grande que engole qualquer um que não tem preparo psicológico
É óbvio
Quem teria equilíbrio psicológico sendo tratado como rato?
Ela foi para a noite na tentativa de buscar sustento
Atentos os olhos como corujas que vigiam a escuridão
Com medo
Nem se sabe de que
Mas o medo corroía as entranhas todas as vezes que fechava a porta do carro
Viu o reflexo da luz do poste na estrela da Mercedes que se aproximou
Ela entrou com cuidado
Se ao menos alguém a tivesse resgatado
Mãos tomadas pelo ódio lhe tomam o pescoço
O dia amanhece gélido
O corpo dela não passa de um objeto qualquer compondo a cena cotidiana da cidade grande
que se agasalha
Manhã fria
Pra quem?


* Rafaela Chor é Artista visual, escritora e atriz. Escreve canções desde os sete anos que logo tomaram o formato de poesias. Autora e ilustradora do livro “A Poesia Carnal da Mulher”, foi premiada como Melhor Revelação Literária no ano de 2018 na cidade de Sorocaba. Seja através da pintura, escrita ou música, considera a arte sua maior aliada para abordar temas como feminismo e empoderamento LGBTQ+. Mais informações em www.rafaelachor.com ou no Instagram- @arte.chor

 

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