Preposição e sentido
 



Dicas

Preposição e sentido

Neiva Tebaldi Gomes


Por que o fragmento de frase abaixo precisa de correção?

“… seu posicionamento de não deixar o Brasil, país que se apaixonou há 15 anos…,”

Este é mais um exemplo de uma tendência de ignorar a preposição exigida pelo verbo em frases construídas com pronome relativo. (Tendência ou desconhecimento de regras básicas de regência verbal?)

Qual é o problema da frase?

Para efeito de comunicação, talvez nenhum, pois o leitor entende que alguém se apaixonou pelo Brasil. No entanto, do ponto de vista gramatical há aí um problema de sentido, pois sem a preposição necessária a frase me diz que o país se apaixonou (não ele). Poderíamos contestar essa interpretação dizendo que isso seria impossível, já que país não é um sujeito agente. No entanto, devemos lembrar que as palavras assumem sentidos diferentes em diferentes combinações.

Imaginemos a seguinte possibilidade:

… seu posicionamento de não deixar o Brasil, país que se apaixonou por suas atitudes….

Seria uma frase perfeitamente aceitável (e correta) porque país seria o sujeito e expressaria uma generalização. Ou seja, a oração passaria a ter o sentido de que toda a população do país se apaixonou por suas atitudes. Mas não foi este o sentido pretendido na frase original, na qual falta a preposição exigida pelo verbo: apaixonar-se por (algo ou alguém).

Correção:

A inserção da preposição “por” vai exigir a substituição de “que” por “o qual”, resultando dessa combinação pelo qual.

… seu posicionamento de não deixar o Brasil, país pelo qual se apaixonou há 15 anos…,

O esquecimento da preposição é muito comum em frases construídas com pronomes relativos. Para evitar esse tipo de erro é preciso lembrar que, nas frases com pronomes relativos, quando há um verbo (ou outra palavra) que exige a preposição, ela não pode ser ignorada e vai aparecer antes do pronome. Vejamos alguns exemplos com verbos ou nomes que exigem a preposição:

Necessitar de: Consegui o empréstimo de que necessitava. (poderia ser do qual)

Referir-se a, referência a: O tema a que nos referíamos é bastante polêmico. (poderia ser ao qual)

O tema a que fizemos referência é bastante polêmico. (poderia ser ao qual)

Refletir sobre: O episódio sobre o qual refletimos ocorreu há pouco. (“sobre que” não soaria bem, por isso apenas sobre o qual)

Observação: A substituição de “que” por “o qual” deve-se à necessidade de deixar a frase, do ponto de vista sonoro, mais agradável. Isso acontece quando antes do pronome relativo aparecer uma preposição. A substituição pode ser opcional em algumas situações e obrigatória em outras. Dizemos indiferentemente Alimento de que (ou do qual) necessitamos, mas não soaria bem dizer Ideias contra que lutamos, por isso dizemos Ideias contra as quais lutamos.

Na maior parte das vezes é o nosso ouvido que vai mostrar qual dos pronomes soa melhor, mas de modo geral dizemos que com preposições curtas (a de, em…) o uso de que ou o qual (e suas flexões) é indiferente; com preposições mais longas (sobre, segundo, perante, contra, através de…) usa-se sempre o qual: O decreto segundo o qual …; O tema sobre o qual…; Os crimes contra os quais …. ; O recurso através do qual… .

Parecem detalhes da gramática, mas na verdade trata-se de um conhecimento de como funciona a nossa língua; um conhecimento, do meu ponto de vista, indispensável aos profissionais que a tem como instrumento de trabalho.


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