- Bo-boa noite...
- Vai ficar parado ai?
- Acredito que eu seja teu parceiro.
- Sente-se.
- Obrigado.
Aproxima-se, sem olhá-la nos olhos.
- Então?
- Os outros ficaram para trás...
- Isso é óbvio.
- ...
- Por que não me paga uma bebida?
- Claro... O que gostaria?
- Qualquer coisa sem álcool, que ajude a esquecer do sabor de ácido fólico.
- Certo. Pedirei o mesmo para mim.
- Muito querido de sua parte.
- Legal este pub... Qual é mesmo o nome?
- Falópio. E é apenas uma tuba uterina. Nunca tinha visto?
- Não. Mas gostei da decoração.
- Que bom.
- Só achei aqueles seguranças um pouco truculentos.
- São anticorpos.
- Eliminaram meus amigos.
- É o trabalho deles.
- Espero que não estejam mais ali na hora de pagar a conta.
- Fale de ti.
- Bem, diariamente encaro o serviço burocrático do Banrisul...
- Quero saber sobre você, não sobre seu doador.
- Não sei o que dizer.
- Não gosto de gametas sem personalidade. Esse foi o problema com os espermatozoides do outro cara.
- Como assim?
- Sou dotada de personalidade e organelas. As células reprodutoras masculinas sentem-se muito atraídas pelos sinais químicos que libero. Nadam por horas em minha direção, mas ficam sem atitude diante do meu temperamento quando me encontram.
- Realmente você intimida.
- Mas é involuntário, a ovogênese me fez assim.
- Talvez seja por ter o dobro do nosso tamanho.
- Mas que bobagem. Não sou uma viúva-negra, não vou matar meu parceiro após a fecundação. Por falar nisso, vamos fecundar?
- Você quer?
- Muito. Gostei desse teu jeito tímido.
- Podemos esperar um pouco?
- Pelo quê?
- Mal nos conhecemos.
- E daí?
- Podemos conversar mais?
- Tipo terapia de casal?
- Gostaria de entrar mais no clima.
- ...
- Fazer um zigoto exige muita responsabilidade. Já pensou em quantas divisões ele será submetido?
- Para alguém que nadou tantas horas, você pensa muito.
- Não te preocupa em saber que tipo de embrião estaremos criando?
- Sinceramente, não. Os genitores dele me parecem pessoas responsáveis e tranquilas.
- Não se esqueça que se trata de uma inseminação. Posso dizer que o pai biológico não é muito responsável...
- Bem, não é ele que vai assumir esse papel. Relaxa.
- Mas...
- Não pensa, senão estraga... Chega mais perto...
- Assim?
- Isso... Devagar...
- Certo...
- Espere. Está ouvindo?
- Sim, é Caetano Veloso. Meio inadequado para se tocar em um pub.
- Você não está entendendo. Eles escutam esse CD sempre que tentam fazer bebês.
- Sério?
- Sim. Tem algo a ver com o show onde se conheceram, se não me engano.
- Mas eles estão fazendo sexo? Eles fizeram uma inseminação artificial e mesmo assim estão fazendo sexo?
- Não é só procriação. Lembra a Rita Lee? Amor é bossa nova...
- Pra mim isso é novidade.
- Devem estar felizes. E eu também. Já escutei inúmeras vezes todas essas músicas. Acho que vão dar um tempo ao longo da gestação.
- Não sei quanto a você, mas eu prefiro o Gilberto Gil.
***
Maurício Schames é formado em Educação Física e possui Doutorado em Geriatria e Gerontologia pela PUCRS. É Gestor Empresarial e sempre gostou de escrever. Em 2016 ingressou no Curso de Formação de Escritores na Metamorfose Cursos. Já participou de algumas coletâneas, como 101 que Contam, Diálogos, Anti-Heróis, Pra ver a banda passar e publicou o livro Relatos e Delírios. Participou do
Curso Livre de Formação de Escritores da Editora Metamorfose.
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