Nesta entrevista, Débora Porto fala sobre a necessidade de uma escrita feminina e o espaço das mulheres na esfera literária. Segundo ela, se hoje há mais espaço para livros de autoria feminina nas livrarias, é porque existem mulheres que lutam por essa causa.
Débora Porto é professora, linguista, escritora e editora. Doutoranda em Linguística, vem pesquisando há alguns anos sobre a escrita feminina e feminista. Mestra em Sociolinguística pela UFRGS, em sua dissertação de mestrado, intitulada "A escrita da mulher trabalhadora na imprensa operária brasileira da República Velha: a luta contra o enclausuramento e o preconceito linguístico" abordou a influência da escrita da mulher trabalhadora no início do século XX. Administra a página Lutas Feministas em diversas redes sociais. É idealizadora da Editora Livra. Participou do curso de Formação de Escritores da Metamorfose.
O que é literatura feminina?
Esta questão faz parte de um debate bastante antigo, porém, ainda atual. Algumas pessoas defendem que literatura feminina é aquela voltada para o público feminino, outras, que é a literatura escrita por mulheres. Há ainda quem diga que não exista uma literatura feminina. No entanto, os escritores que defendem isso caem facilmente em contradição. Como exemplo, posso citar um
debate que ocorreu em uma FLIP de alguns anos atrás entre Daniel Galera, Joca Reiners Terron e Ronaldo Bressane. Nesta conversa, os três defenderam que não existe uma literatura feminina, uma vez que "não há mistério em construir uma narrativa sobre o ponto de vista do sexo oposto". Por outro lado, eles defenderam que o deslocamento geográfico influencia suas escritas. Ora, tanto o deslocamento geográfico quanto o lugar de fala têm a ver com espaços discursivos. Se a vivência em certo local exerce influência sobre a escrita de uma pessoa, como a vivência de situações opressoras não exerceria? Virgínia Woolf e Simone de Beauvoir tratam desse assunto, o qual aprofundarei na Oficina de Escrita Feminina e Feminista.
Por que é necessária uma escrita feminista?
A arte imita a vida, a vida imita a arte. Pode parecer clichê, mas temos múltiplos exemplos de como, através da literatura, é possível descrever a realidade e de como é possível transformá-la. O machismo segue sendo um problema em nossa sociedade e continua sendo reproduzido e defendido em obras literárias, inclusive em muitas obras voltadas para o público feminino. Por isso, uma escrita feminista é necessária, para que o machismo seja combatido também na esfera literária. Sobre esse tema, sugiro a leitura de um texto escrito por Lola Aronovich:
80 livros que nenhuma mulher deveria ler.
No texto, Lola fala de uma lista publicada por uma revista estadunidense de livros que todo o homem deveria ler. Entre os livros listados pela revista, muitos considerados clássicos, todos eram escritos por homens e retratavam homens em situação de poder. Se a vida pode imitar a arte, seria muito bom que fossem imitadas obras literárias que não retratassem a mulher como inferior ao homem, que não a representassem de maneira dicotômica, como ser angelical, cujo sofrimento é romantizado, ou como ser diabólico, causador da ruína de um personagem masculino.
Em sua opinião, na atualidade, há mais espaço para as mulheres na esfera literária, seja enquanto autoras, enquanto personagens ou enquanto leitoras?
Acredito que a esfera literária ainda seja bastante machista. Embora o número de escritoras mulheres venha crescendo, os espaços de prestígio seguem sendo ocupados por homens, mesmo que haja bastante enfrentamento, por parte das mulheres, para ocupar estes lugares. Basta ver os números. O Prêmio Nobel de Literatura já foi concedido a 114 pessoas. Destas, apenas 14 são mulheres. E se engana quem pensa que este número tem aumentado significativamente nas últimas décadas. Desde 2000, apenas 5 mulheres receberam o Prêmio. Na Academia Brasileira de Letras, atualmente, de 40 cadeiras, apenas 5 são ocupadas por mulheres. Pode-se argumentar que o prestígio masculino na esfera literária se dá pela qualidade literária de suas obras. No entanto, muitas escritoras reconhecidas pelo público não recebem prêmios ou lugares de destaque na esfera literária, enquanto que alguns escritores cujas obras têm a qualidade contestada pelo público leitor ocupam lugares de prestígio. Isto nos leva a reivindicar estes espaços. Estes tempos, em um debate sobre literatura feminina, ouvi uma mulher apontar que, nas maiores livrarias de Porto Alegre, tem visto livros femininos/feministas em lugares de destaque. Obviamente, este destaque se dá muito mais por um fator mercadológico do que por uma militância destas livrarias. Somos grandes consumidoras de livros. O número de grupos de leitura de obras escritas por mulheres vêm crescendo exponencialmente, e as empresas vêm percebendo isso. Se há mais espaço para livros de autoria feminina nas livrarias, é porque existem mulheres que lutam por essa causa.
Que dicas você daria para alguém que quer escrever literatura feminina ou feminista?
Minha única dica é que escrevam e publiquem, independentemente do gênero literário escolhido. Vejo atualmente obras dos mais diversos gêneros sendo publicadas com um viés feminista. Há romance, ficção científica, poesia, literatura erótica. A literatura feminista não tem a ver com o gênero literário, e sim com o discurso adotado, com o estilo, com o fato narrado.
Uma das principais reivindicações das mulheres é que se leia mais autoras mulheres. Quais você indicaria e por quê?
A lista é bastante longa, mas acredito que não podem ficar de fora da minha lista Um Teto Todo Seu, da Virgínia Woolf, A Hora da Estrela, da Clarice Lispector, Úrsula, da Maria Firmina dos Reis e As Alegrias da Maternidade, de Buchi Emechieta.
Para conseguir fazer uma lista mais abrangente, criei uma pesquisa para indicações. Quem quiser participar, pode clicar no link:
Indicações de livros femininos/feministas