Escrevendo literatura erótica
 



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Escrevendo literatura erótica

entrevista com Rafaela Couto


Literatura erótica ainda é um tabu dentro da escrita criativa. Para abordamos esse assunto aqui no site, entrevistamos Rafaela Couto. Ela explica a diferença entre erotismo e pornografia, como escrever literatura erótica de forma natural, de que forma o conservadorismo do nosso país pode interferir na distribuição do gênero literário e a importância das mulheres que escrevem sobre sexo.

Rafaela é psicanalista, sexóloga, escritora e palestrante. Foi colunista do Programa Saladanet.com, abordando temas sobre Sexualidade e Comportamento. Participou por mais de trinta anos do programa Palavra de Mulher, apresentando o quadro Sexualidade e Relacionamentos. Foi consultora do MADA - Mulheres Que Amam Demais. Recebeu o Troféu Mulher de Ouro (1991- 1992) por trabalhos realizados com Mulheres Vítimas de Violência. Realiza palestras sobre Sexualidade em escolas, ministrou palestras para mulheres em vários estados do Brasil e também no exterior. Coordena o Grupo Mulher Muito Prazer e a Oficina de Fantasias Eróticas. Concluiu o Curso de Formação de Escritores da Metamorfose.

Escrita Criativa: Qual a diferença entre pornografia e erotismo?

Rafaela Couto: É muito fácil confundir erotismo e pornografia. A literatura erótica descreve o amor sensual, a relação amorosa, o desejo sexual. Desperta fantasias, reaviva o desejo e proporciona a desinibição. A pornografia é mais explícita. Conhecemos a pornografia mais pelos filmes pornográficos, que mostram cenas de sexo sem enredo e com cenas chocantes, onde a mulher é explorada e subjugada. Hoje qualquer pessoa tem acesso à pornografia, graças à internet, com filmes de sacanagem e tudo bem explícito.

EC: Qual o primeiro passo para quebrar o tabu e escrever sobre sexo?

Rafaela: O primeiro passo é ler! Ler livros eróticos, sem medo, sem esconder embaixo do travesseiro. Lendo enriquecemos nosso repertório, formamos imagens excitantes, descobrimos atividades sexuais e despertamos nossa capacidade para fantasiar.

EC: Como fazer a escrita erótica parecer natural e não forçada?

Rafaela: Para parecer natural, a escrita erótica precisa ter muito do que o autor já vivenciou em algum momento de sua vida. Cada cena descrita precisa aguçar a sensibilidade do leitor para que ele possa se imaginar na cena, como em qualquer outro gênero.

EC: Qual a importância de existir mulheres escrevendo literatura erótica?

Rafaela: Sexo sempre foi o assunto favorito dos escritores desde o início da humanidade. Hoje, felizmente conseguimos encontrar boas escritoras, na literatura erótica. Mas durante muito tempo, o discurso erótico foi falocêntrico. Os homens dominavam a literatura erótica. Escreviam para homens, não para mulheres. O objetivo era excitar o homem. A mulher não tinha liberdade para escrever sobre seus desejos e o que sentia em seu íntimo. Na Idade Média as mulheres eram perseguidas e mortas quando seus escritos eróticos eram descobertos. No entanto, muitos homens ficaram conhecidos por suas obras eróticas, onde descreviam o corpo da mulher amada e a forma como faziam sexo. Eles descreviam o que eles sentiam no corpo dela. A mulher que escrevia o erótico era censurada e o homem aplaudido. Hoje, felizmente essa situação mudou: a mulher escreve o que ela sente com o corpo do homem. Escreve como ser desejante, não só como objeto de desejo.

EC: Você acha que a onda de conservadorismo que o país está vivendo pode afetar o consumo e a produção de literatura erótica?

Rafaela: O momento é preocupante. Mas nossa sociedade sempre foi sexofóbica. Sempre conservou mitos, preconceitos e tabus. E ainda assim, a Amazon afirma que os e-books eróticos estão entre os mais vendidos do site. E a loja virtual possui mais de 2900 títulos eróticos. Então, acredito que o consumo e a produção de literatura erótica não serão afetados. Se isso acontecer, voltaremos para a Idade Média. Fico muito preocupada sim com a educação sexual nas escolas, que já era mínima e agora poderá ser inexistente.

EC: A questão da linguagem é sempre um dilema para quem vai escrever literatura erótica. Qual o melhor termo para as partes íntimas? Por exemplo, bunda ou traseiro?

Rafaela: O principal veículo do erotismo é a linguagem. Por isso todo cuidado é pouco, porque quem tem uma linguagem pobre tem um erotismo pobre. O palavrão não é aceito na literatura erótica, porque é um recurso barato. Nos textos eróticos vamos escrever sim os nomes dos genitais, sem inventar apelidos infantis ou chulos. Vagina é vagina, não xoxota. Pênis é pênis, não varinha mágica. A autora Maya Banks, no livro Rendição escreve bunda e nádegas na mesma página: “ Quero ver sua bunda rosada com as minhas marcas”. “Vou gozar nas suas nádegas...”. Em Cinquenta Tons de Cinza, E L James utiliza bunda e traseiro no mesmo texto: "... esfregando delicadamente minha bunda”. “A ardência em meu traseiro...". As duas autoras desejam excitar o leitor. E não há nada de obsceno no que elas escrevem. É obsceno quando percebemos no texto que o objetivo é humilhar e constranger o outro, como encontramos muitas vezes em textos pornográficos.

 

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