Dicas
Gramática para escritores
entrevista com Neiva Maria Tebaldi Gomes
Há um conhecimento que deve ser intrínseco ao escritor: o da gramática. O domínio da língua portuguesa é fundamental para que se escreva de forma coerente, e dessa forma cative leitores. Neiva Maria Tebaldi Gomes comenta sobre essa relação entre escritores e língua portuguesa na entrevista a seguir. É possível ter esse conhecimento somente através da leitura? Podemos aprender a gramática depois de adultos da mesma forma de quando éramos crianças? Que dicas essenciais ela dá sobre gramática para escritores?
Neiva é professora formada em Letras pela Universidade de Passo Fundo, mestre em Linguística e Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e doutora em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Tem larga experiência em todos os níveis de ensino, inclusive com atuação no ensino superior durante 21 anos, ministrando disciplinas em cursos de graduação e no Programa de Pós-Graduação em Letras e orientando dissertações e teses. Atuou no Mestrado em Arquitetura, orientando a produção do texto acadêmico. Desenvolveu estudos de pós-doutorado em Semântica Argumentativa. Criou e mantém atualizado o Blog Scriptura, que trata de questões de gramática.
Escrita Criativa: Qual a importância do conhecimento gramatical para quem quer se tornar um escritor?
Neiva Maria Tebaldi Gomes: Antes de responder à pergunta, preciso dizer que não há língua (nem literatura) sem gramática. Quando falamos e quando escrevemos colocamos em prática, inconscientemente, um conhecimento gramatical que é adquirido no contato com a língua, ouvindo, falando, lendo. Esse conhecimento vai se tornando consciente e se aperfeiçoando ao longo da vida. Mas é importante salientar que domínio gramatical não se conquista com decoreba de regras, mas com reflexão sobre a língua. Assim, as regras só têm sentido se servirem de subsídio à fala e à escrita. Por exemplo, de nada me valeria saber conjugar todos os tempos verbais se não conseguisse perceber seu uso e função em um texto.
Para um escritor, o domínio desse conhecimento gramatical é essencial por dois motivos: primeiro porque, se conhecer melhor os recursos e o funcionamento da língua, terá mais opções e recursos estilísticos à disposição para expressar/ comunicar o que quer e como quer; segundo porque suas obras serão mais valorizadas se revelarem um bom domínio linguístico. Contar com um revisor, por melhor que seja, para um texto literário é sempre um risco, porque qualquer alteração textual implicará sempre alguma alteração de sentido.
EC: Por que as pessoas associam gramática com algo chato e cansativo - até mesmo quem gosta de escrever?
Neiva: Certamente porque aprenderam apenas a decorar a regra pela regra, (muitas delas inúteis) sem compreender sua função textual. Para empregar corretamente o sinal de crase, por exemplo, não precisamos de regras. Precisamos apenas entender em que contextos podem ocorrer dois as em sequência.
EC: Existem pessoas que escrevem de forma correta por intuição/costume de leitura e não exatamente por se lembrar das regras em si?
Neiva: Sim, porque pela leitura os recursos linguísticos são internalizados e passam a ser empregados de forma quase intuitiva.
EC: Existe alguma diferença (se sim, qual) ao estudar gramática na infância/adolescência e depois de adulto?
Neiva: Penso que o adulto que estuda a gramática tem mais condições de refletir sobre o conhecimento que está construindo. Aliás, até o final do ensino fundamental não há necessidade de regras, basta que o aluno leia e escreva muito. As atividades de leitura e de escrita devem propiciar momentos de reflexão sobre a língua, sobre como determinados sentidos podem ou puderam ser construídos. Isso é ensinar gramática. Mais tarde, o conhecimento gramatical adquirido pela leitura e pelo exercício da escrita pode tornar-se explícito ao ser traduzido em regras, mas não são necessárias tantas quantas normalmente são apresentadas e exigidas em provas. A metodologia de ensino é que precisa mudar.
EC: Dizem que português é uma das línguas mais difíceis do mundo. Você concorda com essa afirmação?
Neiva: Para responder teríamos que conhecer todas ou, pelo menos, muitas línguas. Posso falar pelo pouco que sei do italiano, do francês e do inglês. Dessas diria que o inglês tem uma gramática (entendida como estrutura gramatical, não com conjunto de normas) um pouco mais simples. Em relação às outras duas, não vejo muita diferença. Acho que complicamos demais o ensino do português e é isso que dá a ideia de que é uma língua mais difícil.
EC: Quais dicas de gramática você daria para escritores no geral?
Neiva: Diria que duas são essenciais. A primeira, muita leitura e um tempo dedicado à leitura reflexiva que entendo como uma pausa para reler e tentar entender por que determinadas palavras, expressões ou frases conseguem expressar os sentidos que têm no texto; o que faz com determinada passagem de um texto chame mais atenção que outras.
A segunda dica, muito exercício. Usando uma comparação banal, aprende-se caminhar caminhando, aprende-se escrever, escrevendo, escrevendo e reescrevendo incansavelmente. Muitos talentos são forjados pelo exercício.
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