Contos
A ponta do lápis
Leo Pessoa
Haveria algum motivo para eu ter sido presenteado com o mais ignorante dos estudantes? Vejo meus colegas, todos acompanhados de sábios.
O caso a seguir se passou no último dia do último semestre da minha experiência acadêmica. Deu-se durante o exame final de Cálculo. Meu inigualável proprietário não estava preparado -
ignorante feito uma pedra. Quando as páginas do exame tocaram a mesa, senti o pavor que vinha da pele dele. Seus dedos suavam e eu logo notei o nojento toque. Li calmamente o que fora proposto pela questão. Entendi, compreendi e tracei um caminho lógico a seguir. Meu proprietário não leu, não pensou, não raciocinou. Apenas me tomou com aquela pinça malfeita com o dedo indicador e o polegar, tremendo. Os primeiros traços saíram feito caligrafia infantil. Envergonhei-me imediatamente. Tentei forçar-lhe a mão. "Tome postura!" Aquela era a nossa chance: dele de não ser reprovado, minha de ainda ter um mínimo de dignidade. Os primeiros cálculos que ele me forçou a fazer estavam por nos levar ao fundo do poço, ao buraco. "Você inverteu o sinal!"
Eu sinto saudades da sua irmã mais velha. Eu era dela. Eu tinha amigos de longa data lá. Nós éramos geniais! Um dia ela me emprestou para esse ignorante. Mas, não sou de reclamar o passado, o que escrevi está escrito. Ainda que tenha sido apagado por alguma borracha desaforada. Como tenho raiva daquelas!
Os outros estudantes saíam aos poucos. Ele me entortava, girava a mão estranhamente, mordia a língua, suava. Era cena terrível de ver, quanto mais de participar. Os outros lápis riam. Eu tentava manobras vãs. Por pura iluminação, lembrei-me da história dos velhos pastores, que depois de tentar por várias vezes resgatar ovelhas desgarradas com carinho, quebravam-lhe uma das pequenas patas para que aprendessem. Não havia outro caminho. Prendi a respiração, apertei os nervos e quebrei minha própria ponta. Doeu feito arrancar dente! O ignorante se assustou e deu um salto na cadeira. Congelou-se. O professor permitiu que ele me apontasse.
Eu escorregava num giro inútil no apontador. "É preciso atrito! Pare de suar!" Ele, então, passou as mãos na camisa, deu um inesperado suspiro e conseguiu se acalmar. Acalmando-se, me apontou. Apontando-me, se concentrou. Concentrando-se, entendeu. Os olhos brilharam e ele não suava mais. Senti seu coração acelerar. "Isso!" Ele correu até à mesa. Leu novamente o que já escrevera. Eu olhei para os outros lápis, confiante. Meu proprietário, decidido, tomou a borracha e desfez o absurdo. Como amo as borrachas! Seus movimentos desmentiam sinais invertidos, multiplicações incorretas, caligrafia de criança. Ele decidido, eu motivado. Éramos dupla perfeita. Ele era como um gênio. Conquistaríamos o mundo! Preenchíamos aquele exame, como quem compõe. "Gênio! Belo foi o momento em que sua irmã medíocre me presenteou com este gênio." Estávamos nos aproximando da vitória. Memória de cálculo intocável. Letra firme e decidida. Ele sorria, confiante, ar de guerreiro romano. Eu realizado, apontado, ereto. De repente, um lápis caiu ao chão. Meu gênio se assustou. "Não! Não se distraia!" Senti o velho suor me tocar outra vez e na hora da conclusão, o ignorante, o pior dono que já tive inverteu o sinal. O positivo se negativou.
***
Leo Pessoa é escritor de ficção nascido em Belo Horizonte (MG). É autor de três livros: "A caminho de Tulani" (já publicado); "As pessoas invisíveis" (em processo de publicação) e "A cachoeira de prata" (também em processo de publicação). Tem como missão em seus livros encantar os seus leitores através de personagens cativantes e levar até o coração daqueles que se dispuserem a acompanhar suas jornadas um pouco de alegria e esperança.
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