Afinal, quando nos tornamos escritores?
 



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Afinal, quando nos tornamos escritores?

Anton Roos


Minha primeira experiência com a literatura data de quatro anos. Antes, minha produção escrita resumia-se a publicação de crônicas para jornais e revistas da cidade (região) que morava, no Oeste da Bahia, um longínquo recanto fincado no meio do cerrado e distante absurdos oitocentos quilômetros de Salvador e quase quinhentosde Brasília.

Sei lá se por comodismo ou preguiça, no fundo, achava-me incapaz de produzir narrativas ficcionais, fossem elas, curtas ou longas. A lauda e meia de toda semana me bastava e publicar um livro soava quase como uma espécie de utopia. À época, minha visão a respeito da figura do escritor era romantizada. Em geral,eu seguia o estereótipo formado pela maioria que vê o escritor como um ser distante, solitário e dotado de uma aura de superioridade que, no fundo, não passa de tabu.

A reviravolta na minha relação com a literatura se deu quando a mão cheia de leitores fiéis das minhas crônicas começou a cobrar a compilação em livro de tudo que já tinha e continuava escrevendo. Ainda que, de início, tenha hesitado, cedi e após alguns meses estava com o boneco daquele então primeiro livro pronto para revisão e quase em condições de sair do forno.

Entre a decisão de publicar e o lançamento da obra, muitas foram as vezes que questionei se já era possível e permitido me considerar um escritor. Se houvesse um momento chave e determinante, capaz de carimbar em definitivo, “olha só, acho que a partir de agora posso me considerar um escritor”, provável, optaria pelo momento em que, com o pouco de unha que tenho nos dedos, rasguei a caixa recém-chegada da gráfica e, pela primeira vez, folheei o livro com meu nome impresso nele. Quem já teve oportunidade de experimentar esse primeiro contato com a própria obra, certamente, sabe do que me refiro, afinal, é uma sensação única e deveras prazerosa. Aliás, aquele momento bem poderia ser incluído nas definições de felicidade do dicionário, afinal, faz todo sentido.

Embora escrever seja como caminhar às cegas num campo minado, é com o filho nos braços (no caso, com o livro em mãos) que a vontade de liberar o grito da garganta é maior. Quase uma necessidade, independente das circunstâncias as quais o livro foi concebido — por meio de uma editora ou através da autopublicação.

Em suma, naquela manhã de dezembro de dois mil e quatorze pela primeira vez, pude me considerar um escritor, ainda que não soubesse, à época, mensurar o que aquilo significava.

Quando se opta por escrever não há nenhuma garantia de que sairemos ilesos ou conquistaremos um número mínimo de leitores. É um risco muitas vezes não calculado. Eu não sabia que após abrir aquela caixa minha vida fosse mudar radicalmente de rumo, tampouco, que quatro anos depois estaria mergulhado tão profundamente nesse desejo de escrever e ser e, principalmente, me provar escritor todo santo dia.

Não sei se motivado por um ato de coragem ou de estupidez profunda, desde que aquele primeiro livro ganhou o mundo, praticamente abandonei o jornalismo para me dedicar à literatura.

No fundo, quando se está à beira do desfiladeiro não há como voltar atrás.

A prática do “desapego” torna-se uma constante para quem decide apostar suas fichas na escrita e na literatura. Sempre vale a lógica de que se escreve, primeiro, para se satisfazer a si mesmo, afinal, não existe em lugar algum nada que obrigue quem quer que seja a ler o que um outro alguém escreve e publica.

Escrever e, por consequência, publicar não garantem leitores, vendas, sucesso, reconhecimento e talvez, nem sejam suficientes para classificar alguém como escritor.

Nesse pouco tempo de estrada, já tive vários momentos em que me peguei em dúvidas sobre ser ou não um escritor e, não raro, penso se tomei a decisão acertada ao assumir essa condição na primeira vez. Acontece, que quando os verbos escrever e respirar fundem-se num só, responder à pergunta que batiza esse artigo transforma-se num exercício diário. Toda vez que um escritor se depara com o cursor piscando na tela em branco do computador precisa se reconhecer escritor e, mais, externar todos monstrinhos que habitam seu ser. A falta dessa rotina incomoda, castiga, limita e isso, por si só, serve como incentivo e torna a incerteza sobre o amanhã menos angustiante.


* Anton Roos é jornalista, formando do curso de formação de escritores da Metamorfose. Possui três publicações independentes, entre elas, “A gaveta do alfaiate”, de 2014. Em 2018, participou da coletânea “Contos de Mochila” da Editora Metaformose.

 

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