Diálogos
A consulta
Christianne Santa Helena Cardozo Alves
Chegou na clínica logo cedo, havia combinado com a doutora por telefone. Não tinha dormido nada na noite anterior. Entrou com a pequena no colo:
- A doutora já chegou? - perguntou ofegante para a recepcionista.
- Acabou de chegar. Ela já vai começar a atender. – Sentou para esperar.
- Você vai melhorar - disse olhando para o corpinho fraco em seu colo.
- Vamos passar? - convidou a doutora com voz carinhosa.
Ao entrar no consultório, pensou em muitas coisas ao mesmo tempo. Notícias boas e ruins que já haviam passado naquele consultório. Sempre ouviu dizer que nestes momentos sempre passa um filme da vida em segundos.
- Sabes que ela não está bem, não é? São duas semanas fazendo soro e medicação diariamente, mas não está melhorando.
- A senhora acha que não tem mais nada o que podemos fazer? - perguntou com voz de choro.
- Creio que não. Se posso te dar um conselho, se fosse comigo, eu terminaria com o sofrimento dela. Já tive que fazer isso com uma das minhas e sei que não é fácil.
O filme começou. Lembrou de todos os momentos de alegria que haviam passado naqueles dezesseis anos juntas. Praia, bagunça, passeios, banhos e mais bagunça. Olhou nos olhos da pequena, corpo inerte em seu colo, e pediu:
- Me dá um sinal de que estou fazendo a coisa certa.
Neste momento, os olhinhos que já estavam praticamente parados, encontraram os seus e piscaram. Então, sem coragem para falar, apenas acenou para a doutora com a cabeça e pediu:
- Quero ficar com ela.
- Claro. Pode colocá-la na maca. Ela não vai sentir dor. Será rápido.
Neste momento, já aos prantos, acariciou aqueles pelos macios depois de ter tomado a decisão mais difícil de sua vida.
***
Christianne Santa Helena Cardozo Alves , nascida em Porto Alegre, é tecnóloga em radiologia e advogada.
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Comentários:
Quando a narradora interrompeu o diálogo invocando lembranças dos momentos em que esteve com a doentinha naquele consultório, percebi que se tratava de um pet, mas creio que foi porque me identifiquei com a história. Já tive que tomar a decisão da personagem. O texto invocou lembranças que deixo guardadas numa gaveta com chave. É sensível e tocante. Abraço.
MARCIRO, Fortaleza 23/05/2020 - 11:25
Caramba! Que burro eu! Dá zero pra mim! Nem identifiquei a questão bicho. Só nos comentários. Me estranhou o corpinho e os 16 anos. Mas passou. Será que identificou certo a piscada? Tenho uma vizinha que lutou até o último minuto pela vida de sua companheira. E me disse, orgulhosa, morreu no meu colo.
Ney Porto Alegre, Porto Alegre 20/04/2020 - 17:59
Maravilhoso. Quase chorei aqui no trabalho, mal consigo imaginar essa situação acontecendo comigo.
Kamilla Andrade Rodrigues, Santos-SP 28/08/2019 - 11:43
Gostei. Seu diálogo expressa de forma carinhosa o
sentimento de quem tem um animalzinho de
estimação e sente que chegou o seu fim. Parabéns,
Cristiane!
Maria Theresinha Gonçalves Mattos, Florianópolis/SC 17/07/2019 - 13:01
Muito bom!
Richard, Porto alegre/RS 14/11/2018 - 16:04
Conseguiste colocar em palavras todo o carinho e apego que temos com nossos animaizinhos de estimaçao
É facil de se imaginar esse sentimento ao ler o texto, mas se faz parte dele quando ja se esteve em situaçao igual, Parabéns.
Melo, POA/RS 14/11/2018 - 12:58
Parabéns Christianne, tranformaste em palavras os sentimentos que temos pelos nossos pets.
Continue assim...
Carlos Fernado, Porto Alegre 13/11/2018 - 23:30
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