Existem alguns processos essenciais na produção de uma narrativa longa. Um deles é a pesquisa que antecipa a escrita. Muitos autores não sabem por onde começar, ou de que forma essa pesquisa deve ser feita. Para esclarecer essas dúvidas, Caco Belmonte irá ministrar o curso
A pesquisa para a escrita de narrativa longa neste sábado (25), às 9h, na Metamorfose Cursos.
Caco é jornalista. Trabalhou em veículos de comunicação e assessoria institucional. Cursou a Oficina de Criação Literária da PUCRS em 1992 e participou de diversas coletâneas. Em 2004 lançou seu irreverente Contos para ler cagando, na Festa Literária Internacional de Parati (Flip), e em 2006 lançou No Orkut dos outros é colírio. Com a novela Lambuja (2017), estreou em narrativas longas. Atualmente, escreve um romance histórico ambientado em 1820, intitulado "Balázio", que prevê dois anos de produção textual e consumiu um ano de trabalho em pesquisas. Atua também como ghost-writer.
Na entrevista abaixo, Caco discorre sobre a pesquisa para a narrativa longa, qual sua importância, se tem um tempo determinado de duração, por onde começá-la, além de relacionar a sua formação de jornalista com sua experiência em pesquisas. Confira:
Luísa Tessuto: Todo romance precisa de uma pesquisa prévia?
Caco Belmonte: Em literatura não existe verdade absoluta. Ouvi isso de um autor consagrado, numa das inúmeras vezes em que recorri à experiência alheia, buscando orientações sobre o fazer literário, seus labirintos e armadilhas. Érico Veríssimo era um engenheiro nos bastidores da criação. O Tempo e o Vento, a saga, foi totalmente planejada antes dele iniciar o trabalho braçal de construção e desenvolvimento dos volumes. Ao escrever, portanto, sabia de antemão tudo o que aconteceria durante a narrativa. Chegara, inclusive, à minudência de reproduzir em papel o mapa mental que traçara da cidade cenográfica de Santa Fé. Tintim por tintim.
Luísa: Existe um tempo determinado para que uma pesquisa seja eficiente para a produção de uma narrativa longa? Ou não existe pesquisa pequena/grande demais?
Caco: O tempo de duração da pesquisa é subjetivo e pressupõe o que fora estipulado durante o planejamento, no esboço de rascunho, síntese ou anteprojeto, se houver maior preocupação com a excelência do trabalho. Escrever. Apagar. Editar. Tarefas cujo processo foi agilizado pelo desenvolvimento tecnológico. O horizonte é o mesmo para todos, cores e perspectivas variam por motivos individuais. Escritor habilidoso é um sniper da vida alheia, acostumado a ampliar os detalhes à distância. Não existe ficcionista mais capaz, em termos de criatividade, do que as circunstâncias e situações oferecidas pelo cotidiano. Tudo passa pela habilidade de reproduzir esses conteúdos de forma literária. Desconheço autor bem-sucedido que não seja um paciente observador. Ao prestar atenção nas coisas, já estás pesquisando.
Luísa: Depois de ter a ideia, por onde começo a minha pesquisa?
Caco: Isso nós vamos esmiuçar durante o encontro, eleger as prioridades cabe ao escritor. A construção das personagens também exige pesquisa. Pode ser um ponto de partida relevante. As mães reconhecem e sentem os filhos mesmo antes do nascimento, ainda no ventre materno. O autor também precisa conhecer a seus filhos como uma mãe, porque somente ela tem a capacidade de capturar a essência da alma dos rebentos desde a barriga.
Luísa: Qualquer pessoa tem capacidade para fazer uma pesquisa de boa qualidade para a produção de uma narrativa longa?
Caco: Sim. Contudo, ao ampliar os horizontes e responder a essa pergunta objetiva, também avanço pelo campo da subjetividade. A resposta não é tão fácil como parece. Numa obra hipotética, por exemplo, um tomo 500 páginas que serão lidas em algumas horas, distribuídas ao longo dos dias, talvez durante alguns meses, conforme o ritmo de cada leitor, com certeza houve planejamento e trabalho braçal em pesquisas de toda ordem. É disso que vamos tratar no encontro, as possibilidades do historiador literato.
Luísa: Como jornalista, acredita que a sua formação profissional ajude na realização das pesquisas? Se sim, em que sentido?
Caco: Certamente que sim. O cacoete do jornalista agrega valor ao ofício. O baque da perspectiva. Ando pelas ruas em busca do detalhe que escapa por ordinário. Comumente desprezado, embora inserido à paisagem urbana. A cidade é uma aula de história a céu aberto. Laboratório de percepções. Garimpo invisível à maioria, ocupada em administrar a azáfama que se impõe rotineira. Para mim, esse olhar vagabundo é oxigênio na ficção. O estranhamento é quem nos açula (sem conflito, não existe literatura possível). Sempre escrevi, desde muito cedo. Aos vinte anos já tinha feito a Oficina de Criação Literária da PUCRS. Ainda na faculdade, no início dos anos 90, fiz a grande opção profissional da minha vida: consolidar uma carreira no jornalismo e fazer dela um suporte à literatura.
Luísa: No seu trabalho como ghost-writer você utiliza as mesmas técnicas de pesquisa dos seus livros autorais?
Caco: Sim, a única diferença são as metas finais de resultado. Conforme o objetivo, encontro os caminhos possíveis para os alicerces na engenharia da criação. Assimilo material bruto e o processo, reviro e futrico. Do mexe-remexe, emerge um novo contexto. Essas modulações de tom exigidas à adaptação emprestam a verossimilhança perseguida pelo demiurgo que, eventualmente, transmite confiança ao leitor, ou espectador, que responde com empatia à mensagem. A mesma sequência, captada sem o viés literário do escritor, ou longe da imagética dos roteiristas e diretores de cinema, seria um quadro fugaz na imensidão da individualidade coletiva. O paradoxo do deserto povoado. Até onde a vista alcança, tempestades de areia. Pretensioso, soprar em direção contrária.
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