Luiz Paulo Faccioli é músico, compositor, juiz Allbreed e Instrutor pela The International Cat Association TICA. Autor de Elepê (contos, WS Editor, 2000), Estudo das Teclas Pretas (novela, Record, 2004), Cida, a Gata Maravilha (infanto-juvenil, Galera Record, 2008) e Trocando em miúdos (contos, Record, 2008). É crítico literário do jornal Rascunho há mais de 10 anos.
Professor da
Metamorfose Cursos , Luiz Paulo, na entrevista abaixo, especifica melhor o conceito de "conto", aquilo que o caracteriza, suas peculiaridades e importâncias.
Luísa Tessuto: O que caracteriza o gênero conto em relação a outros gêneros? Sua brevidade?
Luiz Paulo Faccioli: Não. Não é só a brevidade. A brevidade sim, é um dos fatores. A brevidade é uma das características do conto. Em termos de Brasil, nós temos duas narrativas breves. Uma delas é o conto, sem dúvida. Mas a outra é a crônica, que é a nossa jabuticaba literária, porque é um gênero que só existe no Brasil - é aquele gênero que vem lá do jornalismo, praticado através das colunas de jornal, que começou pela década de 40 com Rubem Braga, enfim, e que agora ganhou status de gênero literário autônomo. O que seria, digamos assim, um gênero literário irmão do conto no tocante à brevidade. Mas o conto tem outras características que não a brevidade. O fato de ser um único conflito na história, até por conta dessa brevidade, o fato de ter algumas regras para a execução do conto, que são muito específicas do gênero - é um gênero circular, esférico, são conceitos difíceis de explicar sem a gente trabalhar isso com mais atenção (a gente trabalha isso nos cursos, né?). O conto é um gênero de ficção, é um gênero que conta uma história - sempre assim, a base do conto é uma história que se quer contar. Tem que ter o conflito, tem que ter uma coisa que tire a normalidade e desperte a curiosidade no leitor, por ser inusitado, por ser surpreendente, por ser estranho, alguma coisa tem que tirar a normalidade da realidade e levar o leitor para uma outra instância, para uma outra realidade. Essas são as características do conto, e não só sua brevidade.
Luísa: Entre as técnicas para se escrever um conto, o subtexto seria a mais importante? Poderia falar um pouquinho sobre o conceito de subtexto?
Luiz Paulo: Eu vou responder por outro caminho. Por que a gente estuda tanto o conto? A gente estuda muito o conto porque ele é considerado a forma narrativa ficcional, dentro da prosa, mais perfeita. Por quê? Porque tudo que se usa na prosa todas as técnicas, estão concentradas ali no conto. O conto tem que ser exemplar por conta de sua brevidade. Então, tudo que se aprende a fazer no conto, a gente tem que fazer de forma exemplar, porque tem que ser em uma narrativa curta, breve. Mas os conceitos que a gente usa no conto se aplicam a toda a literatura de prosa e de ficção.
Tu perguntas sobre o subtexto. O subtexto é importante para o conto, é importante para a literatura. Não existe literatura sem subtexto. No conto, se trabalha muito o subtexto porque não temos muito tempo para trabalhar a história que temos para contar. Então a gente usa muito os recursos de trabalho do subtexto por conta dessa brevidade. É muito importante o subtexto.
O que significa isso? Por que a gente diz que é muito importante o subtexto? Qual é a extensão do subtexto? Quanto de subtexto tem na história e quanto tem de texto? O subtexto nada mais é do que tu entregar para o leitor a responsabilidade de completar o que o autor não diz. É o leitor que vai completar as lacunas do que está escrito. Se tu usas mais subtexto, significa que tu vais pedir mais a participação do leitor na história, vais deixar mais coisas escondidas para o leitor deduzir. Se tu usas menos subtexto, tu vais entregar mais. É mais ou menos esse jogo. É o que se esconde e o que se revela mais no texto: isso é subtexto.
Luísa: O principal objetivo do conto é contar uma história ou provocar um efeito? Essa seria a principal diferença entre o conto de Edgar Allan Poe para cá e os contos anteriores, como os contos de fada?
Luiz Paulo: O conto é uma história que se quer contar e que se quer despertar o interesse do leitor. Quer se sensibilizar o leitor para uma história. Essa história de alguma forma, para tocar o leitor, tem que criar um efeito. Então essa resposta fica complicada. Se o objetivo principal é contar uma história ou causar um efeito? São as duas coisas. Para se chegar na história, tem que se causar um efeito.
Os enredos, os conflitos humanos, não são tão grandes assim. Alguém já tentou enumerar, acho que não passa de três dezenas. E esses são os conflitos que se pode trabalhar. Então, tu terias basicamente 30 e poucas histórias. Só que não. A maneira como tu chega na história: é aí que está a diferença. E para chegar na história, tem que causar um efeito. Então não dá para separar. O objetivo é contar uma história sim, mas causando um efeito no leitor, ou mostrando para o leitor um lado da história que ele nunca tinha percebido, uma nuância da história que ele ainda não percebeu.
Luísa: Como provocar um efeito em um número limitado de páginas?
Luiz Paulo: Essa pergunta é muito interessante, é aquilo que eu trabalhei com os alunos aqui do curso da Metamorfose. Cada um de nós tem um ponto de vista, uma perspectiva, seja escritor ou não. E, obviamente, cada escritor tem um ponto de vista. Ele olha para uma cena e vai descrevê-la pela sua perspectiva. A originalidade do trabalho do escritor é conseguir passar para o papel, é conseguir escrever esse seu ponto de vista com precisão. Ali que reside o efeito. E cada um vai descrever de uma maneira que nunca ninguém descreveu, se souber escrever bem. Porque não adianta só ter a percepção e não conseguir externar essa percepção. O bom escritor é aquele que, além de ter uma uma visão diferente, e isso é inerente da condição humana, qualquer um vai ter uma visão diferente, vai conseguir externar essa visão, usando elementos, ferramentas da técnica ficcional. Então esse é o efeito que se usa, é isso que falamos quando nos referimos ao efeito. Isso que vai despertar o interesse do leitor ou não. Um escritor é capaz de emocionar com a singeleza de uma imagem. Mas, se está todo mundo vendo, por que ele te emociona com aquilo que ele está dizendo? Por que nunca ninguém disse daquela forma. Ninguém nunca apontou para aquilo que ele está dizendo daquela maneira, entende? É isso que cativa o leitor e que é o efeito.
Luísa: O que sempre me intrigou no conto é como fazer o leitor se apegar ao personagem para que ele viva melhor a história que está lendo em tão pouco tempo. Isso é algo a ser pensado na hora de escrever? Ou o foco é outro?
Luiz Paulo: É algo a ser pensado na hora de escrever sim. Voltando à primeira pergunta, os escritores iniciantes hoje estão sendo doutrinados na concisão. Que é importante, enfim, mas, para envolver o leitor, a gente precisa de tempo. Ser breve não é ser totalmente enxuto. Eu sempre digo, eu admiro muito os minicontos, é um trabalho difícil, não é fácil de fazer, mas eu como leitor gosto de ter texto para ler. O autor tem que produzir texto. Essa preocupação da pergunta é pertinente. Para que tu consigas criar uma empatia do leitor pelo personagem, precisa de tempo. Não é em uma página ou duas de conto que tu vais conseguir. Vais conseguir criar uma empatia maior com uma cena do que propriamente com uma história.
O Isaac Bashevis Singer, que é um dos contistas que mais aprecio, falava isso. Ele dizia que a gente não tem que pensar o conto como uma fatia da realidade, ou seja, um momento da realidade, isso não é o conto. O conto tem que ter um desenvolvimento, tem que ter uma história, tem que ter um tempo para que a história aconteça e que o leitor se envolva e tenha empatia com ela. Quando o Singer lançou os 47 Contos do Singer, entre os contos desta coletânea, tinham livros que no Brasil foram lançados individualmente como novelas. E eram contos, ele chamou de contos. Então assim, a gente não tem que ter medo de escrever, desde que a gente pense que é uma história com um conflito único e poucos personagens, se não a gente vai estar trabalhando com um romance.
Luísa: O conto é considerado um gênero difícil, e por isso mesmo muito valorizado entre os escritores, mais até do que entre leitores. Você concorda com isso?
Luiz Paulo: Totalmente. Agora, tem também uma questão de característica pessoal do escritor. Tem escritores que se dão melhor na narrativa longa e tem outros que se dão melhor na narrativa curta. Eu acho que quem domina o conto domina qualquer coisa. É aquilo que eu falei, as ferramentas que a gente tem para escrever o conto usamos para toda a literatura, assim como seus elementos. No conto, a gente tem que trabalhar com mais foco e com mais eficiência essas ferramentas porque a gente tem pouco tempo. Eu, como sou contista de origem, quando escrevi meu romance, cada capítulo eu pensei como um conto, estruturei como um conto. É uma maneira de ver a narrativa longa. Nem todo mundo pensa assim. Tem romancistas que estruturam toda a obra antes de começar, com detalhes, em cada capítulo vai acontecer tal coisa, no seguinte vai acontecer isso, fazem um quadro com os personagens com suas descrições para não se perderem na história, fazem uma linha cronológica, essas coisas no conto a gente não usa. Tem gente que se dá melhor com a narrativa longa, assim como tem gente que se dá mais com narrativa curta. Há de tudo, vai saber. Eu acho conto mais difícil, vai para aquela pergunta, como tu vais envolver o leitor com tão pouco?. Tem que ser muito bom para envolver o leitor com pouco texto.
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