Um Menino
 



Dialogos

Um Menino

Amanda Piazza




- Tô em casa... – diz a mãe, em voz baixa, ao entrar no apartamento.
- Oi, mamãe! Tava com saudade. – A menina se pendura nas pernas da mulher, eufórica e suada.
- A mãe também, meu amor. Como foi seu dia? – diz, afastando o rosto ligeiramente para o lado.
- Foi muito legal! Vovó me levou ao parquinho, e ela comprou sorvete de baunilha. Eu conheci um menino hoje, o nome dele é Roberto. Ele é novo no prédio e tem cinco anos também! E ele é muito engraçado... – A menina se interrompe, notando uma expressão estranha no rosto da mulher. – Mãezinha?
- Oi, filha.
- Você tá chorando? Tá tudo bem? – pergunta a criança, balançando o corpo nervosamente.
- Tá sim. A mamãe só está com saudades. – A mulher limpa pequenas lágrimas que brotam de seus olhos e acaricia a cabeça da filha.
- Saudades do quê?
- Do seu irmão. Hoje faz dez anos que ele foi morar no Céu.
- E por que ele foi morar lá? – pergunta a criança, encostando-se no sofá.
- Ele tava muito doentinho, aí o Papai do Céu decidiu levá-lo daqui. Aqui ele estava muito triste.
- Quantos anos ele tinha quando foi embora?
- Cinco, igual a você. – A mulher faz um carinho no nariz da filha – Mas então, Papai do Céu percebeu que a mamãe ficou muito sozinha aqui, na Terra, e decidiu mandar outro anjinho para cuidar dela. E esse anjinho é você – ela sorri, entre lágrimas, para a menina.
- Mãe... O Papai do Céu não deveria ter levado ele embora, porque você tá triste. Ele deveria ter curado o dodói do meu irmão. Eu queria que ele estivesse aqui pra brincar comigo.
- Mas agora você tem o Roberto, não é?
- É, mas ele não mora aqui em casa, não é a mesma coisa.
- Ah, filha... Já faz tempo que seu irmão foi embora. Agora ele é um anjo, lá em cima. E ele pode cuidar de você.
- Como que ele sabe quem sou eu?
- O Papai do Céu contou pra ele que mandou a menina mais bonita para fazer companhia à mamãe. Então, ele encontrou você bem rápido.
- E por que a gente não pode ir visitar ele no Céu?
- Porque fica muito longe daqui. Mas se você se comportar direitinho, quando ficar bem velhinha, vai morar lá no Céu com ele.
- Mas, mãe... Vai demorar muito tempo pra eu ficar velhinha. Queria falar com ele agora.
- Eu vou mostrar uma foto dele para você, aí você pode imaginar como ele era, e até conversar com ele. É só juntar as mãozinhas assim – ela entrelaça os dedos das mãos em frente ao peito –, e falar pelo pensamento. Vem, eu vou pegar uma foto.
***
- Achei – diz a mãe, voltando com um baú nas mãos. – Seu irmão adorava tirar fotos.
- Ele era parecido comigo? – pergunta a menina, revirando os retratos.
- Humm, era. E ele adorava contar piadas, sabia? Igual a você. Olha, encontrei uma foto. Esse aqui, do meio, é o seu irmão. – A mulher mostra uma foto com três garotinhos sorridentes, e aponta para o menor deles.
- Mãe?
- Oi, filha.
- Tem certeza que o do meio é o meu irmão? – A menina morde o lábio inferior, pensativa e confusa.
- Tenho sim. Olha para os olhos dele! São azuis, iguaizinhos aos seus – responde a mãe, juntando o rosto da filha ao da foto. Ela deixa escapar mais algumas lágrimas.
- Esse daqui não pode ser ele. – A filha se levanta bruscamente.
- E por que não?
- Porque esse ... – A menina faz uma longa pausa, analisando com cuidado o retrato nas mãos da mulher. – Porque esse é o Roberto, mãe.

 

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