De certeza que é de fome
O pranto forte dessa gente
Meia volta ou volta e meia
Ficam todos descontentes
Tanto faz se é puro o pão
Ou recheado de melado
Sobe e desce a ladeira
O pai sempre desempregado
A mãezinha coitadinha
Lava a roupa do patrão
Vira a noite cozinhando
Refogado de feijão
Vai à feira, faz a xepa
Sente orgulho da labuta
À família presta contas
Nunca foi prostituta
Em terreno de miséria
Honestidade é medalha
Reza forte e chama o santo
Não precisa de migalha
Filho Ben acorda cedo
Vê o dia amanhecer
O chinelo é de dedo
A escola é seu lazer
Quando alguém lhe oferece
Boa quantia em dinheiro
Na favela anoitece
E ele vira cangaceiro
Exibe relógio novo
Sorriso com dente de ouro
Olhar duro para o povo
Cabelo pintado de louro
Em país de terceiro mundo
Carro de luxo é ostentação
Cruzeiro pelo Atlântico
Não tem explicação
Certa noite de lua cheia
A polícia bate forte
Ben rola morro abaixo
Provocando a sua morte
O pai na calçada chora
A revolta corrói seu peito
Lembra-se de que outrora
Tudo era tão perfeito
O casal em comunhão
Reúne a pouca mobília
Retornam para o sertão
E formam nova família
Foto: Os Retirantes _ Cândido Portinari 1944 - Óleo s/ Tela. 190 x 180 cm - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand.