Liliana Heder
tradução de Ângela Schnoor
1) A vontade de escrever surge na medida em que escrevemos. É inútil esperar o momento perfeito em que todos os problemas desaparecem e só existe o desejo compulsivo de escrever: este momento não existe. Em geral, alguém se senta para escrever vencendo alguma resistência sair do ócio não é espontâneo enfrenta certos rituais de retardo, até que enfim, com alguma cautela, escreve. E em algum momento talvez descubra que está submerso até a raiz dos cabelos, que todos os problemas se foram, e não há nada além do compulsivo desejo de escrever.
2) A primeira versão de um texto é apenas um mal necessário. Geralmente está bem distante daquele completo e intenso que se havia difusamente imaginado. Corrigir não é nada além do que encontrar Moisés dentro do bloco de mármore.
3) Na literatura não existem sinônimos nem equivalências: Um rosto não é o mesmo que uma face, uma cara, "Disse que estava farto" não equivale a "Estou cansado - disse". Apegar-se a uma frase ou a uma palavra, simplesmente porque saiu da alma é pelo menos um risco: a alma, às vezes dita coisas óbvias. Em Filosofia da Composição, Poe, conta que enquanto escrevia seu poema O Corvo, decidiu que precisava de um animal falante para repetir um tema recorrente, no final de cada estrofe. E, naturalmente, o primeiro animal que veio à sua mente foi o papagaio. Às vezes, convém sacrificar o papagaio.
4) Nem a espontaneidade nem a rapidez são valores em literatura. Tatear, criticar, descobrir novas possibilidades, errar quantas vezes for necessário, chegar passo a passo ao texto desejado: este é o verdadeiro ato criativo. A outra forma é como espirrar.
5) Quando se escreve, não há porque ter medo dos sentimentos, mas também não há que se temer a lucidez. Se possuímos tão poucas qualidades não vejo razão para que nos privemos de qualquer uma delas para fazer literatura.
6) A realidade oferece boas situações, mas não constrói obras artísticas. Adulterar um fato, distorcer, alterar ou suprimir alguma parte são poderes que um autor de ficção pode usar sem qualquer culpa. Não é ao acontecimento real que ele deve ser fiel, mas à luz secreta que descobriu neste caso e que o induziu a escrever.
7) Não comece uma história se você não sabe como ela vai terminar.
Corre-se o risco de ir para lá e para cá, sem pé nem cabeça, esperando que o final caia do céu. Os bons finais não costumam ter origem divina: mesmo que não se perceba, são enviados desde a primeira frase.
8) Uma novela exige uma escrita e uma estrutura rigorosa como as de um conto. Se tiver páginas cinzentas, estes cinzas devem ser tão carregados de tensão como em Guernica, de Picasso. Se não, são apenas uma pista, um lastro.
9) A inspiração não existe; este caso se parece com as bruxas. Então, quando as palavras parecem cantar em sua orelha, e sentir que tudo o que está escrito tem a música certa, o ritmo exato, a tensão perfeita que deve ter, pode-se chamar esse estado de privilégio ou como preferir, mas o melhor é soltar o freio e deixar rolar a loucura. É lindo, só que não devemos acreditar que é o único estado em que se faz literatura. Porque se corre o risco de não escrever mais que uma página em toda a vida.
10) É necessário alimentar-se dos credos e há que aprender a duvidar deles. Não há regras universais para o ofício da escrita. É em você mesmo que, em última análise, com as verdades e mentiras próprias e alheias, vão se estabelecendo seus próprios rituais, permitindo suas singularidades e construindo suas próprias crenças.
Tradução de Ângela Schnoor. Leia o texto original em http://www.revistaarcadia.com/libros/articulo/los-10-mandamientos-escritura
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