Dialogos
Serenata
José Luiz Carvalho
Ele entrou na cozinha, deu um beijo na testa da mulher e soltou logo a novidade:
Resolvi que vou aprender a tocar violão.
Uau! Parabéns! Violão é um instrumento muito charmoso. Mas de onde surgiu essa paixão repentina pela arte? perguntou ela, enquanto organizava a mesa.
Acho que está no sangue?
É mesmo? Não me consta que haja músicos na sua família.
Olhando para o celular, ele respondeu orgulhoso:
Engano seu! Acabo de descobri que o irmão do meu bisavô paterno tocava prato na banda da cidade.
Parece pouco disse ela,com suave ironia.
Então você acha que um prato é um instrumento sem valor apenas por ser simples e supostamente de fácil execução? perguntou,enquanto buscava na internet lojas especializadas em equipamentos musicais.
Acho! Mas se você gosta tanto, por que não se dedica, assim como seu parente, a este instrumento e esquece o violão? perguntou ela, mais preocupada com a novela que começaria em poucos minutos.
Não,isso não faz sentido. Preciso de um instrumento que ofereça mais flexibilidade, seja popular e menos escandaloso.
Ela se aproximou, passou a mão em seus cabelos já um pouco esbranquiçados e comentou em tom de brincadeira:
Não quero te desanimar, mas tem certas coisas que só se aprende quando se é jovem. Andar de bicicleta, nadar, dirigir... tocar violão.
Lá vem você novamente com seus preconceitos. Sua tese hoje em dia já está ultrapassada.
Ok, retiro o que eu disse. Mas existe algo que não se compra nem se pega emprestado em qualquer idade: talento. Quem tem já começa a demonstrá-lo ainda nas fraldas afirmou ela na tentativa de minimizar suas expectativas e uma futura frustração.
Sinceramente, da minha mulher eu esperava um pouco mais de incentivo. Ao invés disso só ouço comentários negativos. Não importa! Vou te mostrar que tenho garra.
Quero ver!
Neste instante, ele pôs o celular sobre a mesa, simulou que tivesse um violão nos braços, aproximou-se da janela e revelou desapontado:
Eu estava tão entusiasmado que já imaginava a seleção das músicas da primeira serenata que faria para você. Mas pelo visto terei cantar em outra freguesia.
É! De fato, oferecer uma serenata tocando um prato seria bastante complicado; confusão na certa disse ela, em tom de zombaria.
Por que você não esquece este maldito prato e tenta enxergar o lado romântico da minha intenção? Depois as mulheres reclamam que os maridos não são mais os mesmos.
Ela pediu desculpas e disse que a serenata seria muito bem-vinda. Alertou apenas que para aprender qualquer instrumento é necessária muita dedicação e persistência.
Ouvi dizer que nos primeiros dias os dedos do violonista doem muito. Além disso, é melhor você se aventurar apenas nos solos ou acompanhamentos, pois sua voz é muito desafinada. Isso não sou eu quem diz completou.
Neste instante ele raspou a garganta, acalmou as cordas vocais ultrajadas e alfinetou:
O que você entende de música para me dar essa gongada? Na sua família, por acaso, tem alguém que toque pelo menos prato?
Eu já havia me esquecido do prato. Você é quem está retomando o tema.
Está bem. É melhor interromper essa discussão e jantarmos logo.
Concordo. Toma aqui seu prato e bom apetite!
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