Há vários caminhos para se chegar ao final do processo de escrita de um romance ou de uma novela. Para termos uma noção de como percorrer esse trajeto, nada melhor do que ouvir os conselhos de pessoas que já chegaram lá algumas vezes. Durante o IV Encontro de Escritores da Metamorfose, a mesa Processo criativo para escrita de narrativas longas, com Julia Dantas, Samir Machado de Machado e mediação de Luísa Aranha nos deu essa oportunidade.
Logo no início da conversa, falando sobre de onde se originam as ideias, Julia disse que em um estágio inicial, gosta de anotar trechos soltos e somente depois seguir para uma etapa mais concreta. Além disso, quando o processo já está em movimento, acredita que as ideias se apresentam com mais facilidade, mas elas sempre vêm de um lugar misterioso.
Samir disse ter mais ideias do que tempo para escrevê-las. Costuma utilizar uma caderneta para cada projeto de livro, mas só começa a trabalhar na narrativa quando já sabe o final. Ele ainda citou uma cena do filme Adaptação. em que uma versão ficcional de Robert McKee faz pouco caso do bloqueio criativo do protagonista (uma versão ficcional do roteirista Charlie Kaufman) pois, segundo ele, as ideias surgem de todos os lugares.
Sobre o processo de escrita em si, Julia enfatizou muito a importância de encontrar a voz de cada personagem. Com esse aspecto definido, sente que consegue contar a história que quiser. Disse que sempre sabe o começo e o final, mas descobre o meio conforme o trabalho avança.
A importância do planejamento também foi um tema abordado durante o bate-papo. Luísa perguntou aos convidados se eles utilizam algo similar a uma escaleta. De certa forma, ambos responderam que sim. Julia costuma fazer uma linha do tempo e utilizar cartões coloridos. Samir separa a história em tópicos a partir de suas anotações.
Samir também falou sobre a pesquisa na escrita de ficção histórica e a tentação de incluir cada fato descoberto no texto, correndo o risco de tornar a narrativa maçante. Disse partir do princípio de que está sempre a duas páginas de perder o leitor. Tenta se divertir enquanto escreve para aumentar as chances de a leitura ser divertida também. Algo que ainda ajuda a lidar com a demora para a finalização de um livro, pois afirmou levar em média dois anos escrevendo e mais dois editando cada trabalho.
Julia sempre tenta escrever algo que gostaria de ler. Dá muito valor ao ritmo de sua prosa e justamente por isso, considera esse ponto um desafio, mas ao mesmo tempo, algo prazeroso.
Abordando a criação de personagens, Samir disse que todos os seus protagonistas são pedaços de si ampliados, mas ele sempre busca a especificidade de cada um. Julia deu o exemplo da personagem principal de Ruína y leveza, construída a partir da junção de várias amigas suas.
Perguntados sobre referências e Easter eggs, ambos afirmaram que entendê-los não deve ser um pré-requisito para a compreensão da leitura. Samir ainda acrescentou que vê esses elementos como uma forma de reconhecer textos que influenciaram o seu.
O público trouxe questionamentos sobre críticas e premiações. A respeito das avaliações negativas, Samir afirmou não se preocupar muito pois sabe que nenhum livro é para todo mundo. Disse ter se incomodado apenas com uma crítica escrita por inteligência artificial. Julia lembrou que mesmo os clássicos podem ser criticados, mas quando a crítica não faz sentido, a melhor estratégia é ignorar.
Sobre os prêmios que receberam, ambos falaram sobre como isso sempre traz um pouco mais de exposição na mídia e faz com que as vendas aumentem, pelo menos por algum tempo. Em uma reflexão final, Julia disse que o livro acaba sendo muito ligado a eventos como o lançamento e as premiações por ser a maneira como a nossa imprensa trabalha.
