Diversidade: reflexões sobre a escrita livre de preconceitos
 



Dica de Escrita

Diversidade: reflexões sobre a escrita livre de preconceitos

Vilma Toloto


Às vezes, mesmo sem querer, nossa escrita repete ideias pré-concebidas, distorcidas e incompletas que assimilamos e reproduzimos. Diante disto, o exercício da literatura sendo um campo de criação, requer responsabilidade para representar e refletir o mundo de forma ética, sensível e plural.

Em um país como o Brasil, marcado por profundas desigualdades sociais e históricas, o escritor contemporâneo deve estar atento aos estereótipos e preconceitos que se manifestam de forma sutil ou explícita nas narrativas.

A literatura é uma ferramenta poderosa. Ela pode emocionar, transformar e ampliar o olhar de quem lê. Mas, como escrever sobre o outro com respeito, verdade e profundidade?

Crenças, experiências e vivências pessoais influenciam as personagens e histórias que são criadas. Por isso, é fundamental refletir sobre a forma como as imagens, ideias e valores absorvidos ao longo do tempo moldam a maneira sobre como uma história é contada, para evitar naturalizar padrões que reforçam o status quo desigual.

Reduzir personagens a caricaturas, especialmente aqueles que representam grupos socialmente marginalizados, é reforçar imagens cristalizadas que alimentam o preconceito. Toda personagem, seja ela protagonista ou não, merece ser criada explorando suas complexidades, desejos, contradições e sua própria história. Desta forma, criam-se narrativas mais humanas e ricas.




Escrever sobre realidades diferentes exige escuta e pesquisa. Conversar com pessoas que vivenciam essas realidades, ler autores e autoras que fazem parte desses grupos, buscar entender os contextos históricos e sociais envolvidos, tudo isso contribui para uma escrita mais honesta. Mario Augusto Pool, escritor, pesquisador e doutor em Educação, afirma que um escritor "pode - e deve" escrever sobre vivências bem diferentes das suas e que estejam relacionadas à temática de diversidade. Segundo ele, o escritor "não pode fazer isso com pressa, vaidade ou descuido. A gente pode escrever sobre tudo, mas não da mesma maneira". E ele exemplifica com uma temática muito recorrente nos dias atuais: "quando um autor branco escreve sobre uma personagem negra, ele tem que entender que está entrando em um campo histórico de apagamentos, violências e discursos distorcidos. Isso exige um outro tipo de compromisso". Diante disto, Mario Pool, conclui: "escrever sobre o que não vivemos exige escuta radical, pesquisa séria, abertura para errar e humildade para reescrever."

Um outro aspecto importante nesta reflexão é sobre até que ponto os escritores precisam vivenciar uma experiência relacionada à diversidade para representá-la de forma convincente. Sobre isto, o escritor e jornalista Luan Pires acredita que "o segredo está em escrever a partir da emoção verdadeira, mesmo que a experiência não seja vivida literalmente [...] vivenciar não é uma condição, mas um jeito de enxergar a realidade sua e do outro reconhecendo as fronteiras da própria experiência".

Outro ponto de atenção importante está na linguagem. Algumas palavras e expressões do uso cotidiano têm origens racistas, sexistas ou capacitistas. Mesmo quando usadas sem intenção ofensiva, carregam marcas históricas que perpetuam exclusões.

Como parte do processo criativo responsável, é importante que o escritor seja um leitor atento do próprio texto, revisando o vocabulário, questionando as escolhas linguísticas e expandindo o repertório literário. Ler obras de autores negros, indígenas, LGBTQIAPN+, com deficiência, entre outros grupos minoritários, ajuda a enriquecer a escrita, por meio da identificação de estereótipos e preconceitos presentes em muitas narrativas.

Para a construção de personagens mais ricos e autênticos, a escritora Michele Vaz Pradella considera fundamental pesquisar e escutar a realidade de pessoas com diferentes valores, crenças e perspectivas. Tudo o que possa ampliar o conhecimento a respeito de uma realidade distinta da que o autor vivencia. Michele considera que "é interessante também ter alguém desse grupo minoritário que faça uma leitura crítica da obra ou até mesmo que sirva de consultoria durante a escrita".

Segundo Mario Pool, caso o autor receba alguma crítica negativa relacionada ao tipo de representação que ele faz na escrita sobre grupos considerados minoritários, ou seja, alguém apontando um viés, uma representação problemática ou uma visão estereotipada, ele recomenda agir da seguinte forma: "Escutando. Mesmo quando doem, mesmo quando desestabilizam. Sobretudo quando desestabilizam". Portanto, a crítica deve ser considerada como uma oportunidade para o amadurecimento do próprio autor, pois ela, segundo Mario Pool, "é uma oportunidade de repensar, não uma ameaça ao ego do autor. Se alguém me diz que meu texto feriu, reforçou uma imagem opressiva ou deixou de fora uma dimensão essencial, eu não posso responder com defesa - tenho que responder com revisão, com escuta". E conclui, "a literatura é um processo contínuo de desfazer certezas." E ainda, a este respeito, Luan Pires nos lembra que "críticas de leitores pertencentes aos grupos representados são, muitas vezes, atos de resistência discursiva. Em vez de reagir com negação, o autor pode ver nisso uma oportunidade de revisão ética e estética".

Escrever com responsabilidade é um ato de respeito e coragem. A boa literatura não evita temas difíceis, ela os enfrenta com empatia e compromisso em representar de forma transparente a complexidade humana e suas emoções. Desta forma, a força transformadora da escrita se revela.


Confira também esta live com Luan Pires

 

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