"Você quer ser um escritor? Um escritor é alguém que escreve todos os dias – então comece a escrever." Com certeza já ouvimos a frase de Shonda Rhimes (ou variações dela). O que começa como incentivo pode, rapidamente, se transformar em sentença.
Ajustamos a rotina, nos desvencilhamos da procrastinação e, dia-sim-dia-também nos colocamos diante da folha em branco. Estamos convictos do que queremos ser e do que precisamos fazer.
Porém, há vezes, em que a palavra simplesmente não vem.
A danada serpenteia pelo labirinto do ouvido e se perde na profusão de sinapses. Nem adianta espremer a testa, morder a tampa da caneta ou implorar pelo compadecimento de Suassuna: o verbo continua transitivo. E branco vira nossa cor desfavorita.
Há urgência em escrever, mas, diante da tela, nos sentimos catando letras em vendaval. Duplicamos a velocidade dos áudios, respondemos com emoji, nos convencemos de que macarrão instantâneo é janta para agonizar com o cursor de inserção pulsando no mesmo lugar.
É o bastante para nos distrairmos.
Uma enxurrada de estímulos, notificações e timelines infinitas nos captura e logo se transformam numa espécie de cera criativa. Uma avalanche barulhenta que torna difícil ouvir a si mesmo e ao que a história pede. A cabeça vazia logo encontra gerente: "vai ver, isso de escrever não é pra mim".
Será?
Acredito que tenhamos deixado outras lições valiosas escaparem por entre os dedos. Em uma entrevista de 2014 para 2miltoques no Tumbler, Jeferson Tenório revelou: "Eu não escrevo todos os dias, mas sei que deveria". Mais adiante, acrescenta: "Acho que o exercício da escrita deve ser também um exercício para perceber as pessoas".
Na confissão dele, recuperamos um pouco de ar.
Perceber que a escrita é mais do que colocar palavras no papel. Observar o mundo, ouvir conversas, ler (muito), acompanhar podcasts, escutar música, visitar museus, montar quebra-cabeças com os filhos ou, simplesmente, silenciar ? tudo isso é escrita. É arte e toma tempo.
Pausar é um gesto de resistência em um mundo hiperestimulado, onde a falácia da produtividade nos furta o respiro. Ser escritor é, também, criar caminho mesmo parado. Respeitar o tempo de maturação da ideia, da frase e de si mesmo. Compreender que, para soprar, é preciso encher o peito.
Mas nem sempre é fácil.
Preferimos seguir, mesmo que aos tropeços, seja por culpa ou medo. Culpa de não sermos tão produtivos quanto deveríamos. Medo de não saber diferenciar pausa de estagnação.
Como se o descanso não fizesse parte da jornada.
Sim, pausar é desconfortável, e às vezes se assemelha à desistência. Esquecemos que a pressa é uma invenção e que respirar é sobrevivência.
Mais do que escrever todos os dias, é preciso criar constância. Ter em mente que ocupar-se de outras formas de escrita (que não só preencher papel), não nos faz escritores sazonais. É possível – e saudável, tirar um dia para "só" ler o mundo.
Porque no momento em que tudo falta e o escritor sobra, resta contemplar o redemoinho e deixar o vento enredar as frases. E, só depois, recolher o que tem força de papel.
Talvez as respostas que tanto procuramos estejam na quietude e não no tilintar das teclas. Como atribuído a José Saramago pelo Jornal Matinal: "Ser escritor não é apenas escrever livros, é muito mais uma atitude perante a vida, uma exigência e uma intervenção".
E para se ouvir é preciso calar.