Literatura vs tabus: como abordar temas complexos na ficção?
 



Dica de Escrita

Literatura vs tabus: como abordar temas complexos na ficção?

Tainá Rios para o Escrita Criativa


A literatura, desde seus primórdios, tem sido um espaço de experimentação, provocação e conexão com os dilemas humanos. Ao abordar temas considerados tabus, ela se torna não apenas um reflexo de seu tempo, mas também um instrumento de transformação social. Questões como sexualidade, desigualdade social, racismo, saúde mental, velhice e luto são exemplos de temas que, apesar de muitas vezes silenciados, encontram na ficção uma forma poderosa de diálogo e resistência.

O que é tabu?


O conceito de tabu atravessa áreas como filosofia, antropologia e sociologia, referindo-se àquilo que é censurado ou considerado perigoso por desafiar normas sociais estabelecidas. Sexualidade, costumes, religião e estilo de vida são apenas alguns exemplos de assuntos frequentemente classificados como tabus.



A escritora e jornalista, Luísa Aranha, entende o conceito de temas tabus na literatura como construções culturais que delimitam o que podem ou não serem consideradas abertamente em uma sociedade. "É fundamental entender que essas barreiras refletem relações de poder", explica. Para ela, tabus como sexualidade, desigualdade ou questões de gênero e raça são silenciados porque confrontam estruturas opressivas, como o patriarcado, o racismo e o capitalismo.

"A literatura tem o papel de desafiar essas imposições, questionando por que certas narrativas são proibidas ou marginalizadas, enquanto outras são normalizadas", comenta Luísa.

Há pesquisadores que nomearem o tabu na narrativa literária como temas fraturantes.

Temas fraturantes: desconforto que provoca reflexão


A expressão "temas fraturantes" foi cunhada pela professora portuguesa Ana Margarida Ramos e se refere àqueles assuntos que desassossegam, tiram-nos da zona de conforto e conectam a literatura às questões sociais. Segundo Ramos, ao tratar de temas sensíveis, especialmente na literatura infantojuvenil, os autores desafiam uma tradição de poupar, principalmente crianças e jovens, de questões áridas. No entanto, ao abordar esses temas, os escritores não apenas quebram tabus, mas também promovem empatia e um olhar crítico sobre o mundo.

No Brasil, a pesquisadora Diana Navas destaca que os temas fraturantes têm se voltado principalmente para questões de gênero e invisibilidade social. Como ela aponta, essas situações deixaram de ser apenas ficção ou representações na mídia para se tornarem parte do cotidiano de muitas pessoas. E é aí que a literatura desempenha um papel essencial: trazer esses assuntos para o papel, desmistificando e humanizando questões que, muitas vezes, são marginalizadas.

Abordar temas tabus exige sensibilidade, pesquisa e responsabilidade. É crucial que os autores evitem reforçar estereótipos ou tratar questões sensíveis de forma rasa.

De acordo com a autora Luísa, o desafio do autor comprometido com a transformação social é equilibrar realidade e empatia, garantindo que a obra denuncie desigualdades sem reforçá-las. "A responsabilidade maior é compreender que a escrita é um ato político: cada palavra pode perpetuar sistemas de exclusão ou subvertê-los", explica.

Como lembra Diana Navas, há uma diferença significativa entre obras que genuinamente promovem reflexão e aquelas que se apropriam de pautas sociais apenas como estratégias comerciais. Ou seja, a literatura que se propõe a desafiar tabus deve garantir relevância artística e social, fugindo da tentação de apenas "surfar" em tendências de mercado.

E Luísa complementa: "é importante resistir à instrumentalização das pautas sociais como um mero "produto" e reafirmar a arte como um espaço de ruptura e denúncia. Isso significa priorizar a qualidade da escrita, a pesquisa séria e o compromisso com a transformação social".

O conceito de literatura artística com foco no entretenimento, vendas de livros ou nomenclaturas variadas, também fazem parte do sistema opressor e político. Segundo Luísa, é esse movimento que insiste em marginalizar e diminuir a produção de uma obra de narrativa longa em detrimento dos homens brancos, héteros e com mais experiência.

Já que a literatura é uma forma de resistência e transformação, ela pode desestabilizar narrativas hegemônicas, denunciar desigualdades e inspirar novos olhares para o mundo. Quando questionada sobre o poder dos livros na mudança de perspectivas sociais, Luísa afirmou que: "obras que desafiam tabus ajudam a construir pontes entre realidades distintas, gerando empatia e mobilizando mudanças. É por isso que regimes autoritários temem a arte, a cultura e a literatura: são as artes um ato revolucionário".

Técnicas para abordar temas tabus na ficção


Para tratar temas sensíveis com profundidade e autenticidade, os autores recorrem a diversas estratégias. Luísa recorre a três técnicas, que são: construção de personagens humanizados e complexos, intertextualidade, uso de metáforas e pesquisa aprofundada do tema escolhido.

Ela afirma que ouve diretamente as vivências das personagens e como são algumas ações são vividas, para evitar que a sua narrativa tenha uma abordagem rasa. Já a intertextualidade e o uso de metáforas ajudam a criar camadas que desafiam o leitor a interpretar e se engajar criticamente. Além disso, prioriza uma narrativa que dá voz aos marginalizados e explora o ponto de vista de personagens invisibilizados pelo sistema."É fundamental a pesquisa detalhada e o respeito às vivências de quem enfrenta essas questões na realidade. E uma linguagem acessível, que dialogue com leitores de diferentes bagagens culturais, amplia o alcance dessas obras", explica.

A força da literatura para mudar perspectivas sociais


A literatura tem o poder de mobilizar mudanças e ampliar horizontes. Obras que enfrentam tabus ajudam a construir pontes entre realidades distintas, promovendo diálogos e inspirando ações transformadoras. Não é à toa que a arte e a literatura representam um ato revolucionário, desafiando estruturas de poder e resistindo ao silenciamento.

Ao oferecer narrativas que abordam temas tabus, a literatura não apenas provoca desconforto, mas também gera reflexões profundas e nos conecta à essência da condição humana. Assim, ela segue cumprindo seu papel como um dos mais poderosos instrumentos de resistência, empatia e transformação social.

 

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