Sândalo
 



Contos

Sândalo

André Ferreira


Antes era tudo muito solitário. Estava no pátio daquela casa abandonada quando percebi novos moradores chegarem. Pelas janelas, observei que eram um casal e dois filhos: uma menininha bem pequena e um garotinho um pouco mais velho. Naquela tarde, vieram todos me ver. Sentaram-se ao meu redor, no pasto e ficaram conversando por horas, enquanto tomavam um suco de laranja que tinham trazido. Assim, meus dias já não eram solitários. As crianças brincavam e corriam por perto enquanto uma brisa agradável vinha dos arredores. Eu estava sempre vendo suas peripécias.

Um dia, o pai apareceu com um balanço e as crianças ficaram entusiasmadas. Pensei que eu poderia ser útil e sustentar o brinquedo para que elas pudessem brincar. Ele logo percebeu e amarrou o balanço em meu braço estendido. As crianças adoraram e a partir daquele dia, passávamos as tardes juntos brincando de balanço. Foram os dias mais felizes da minha vida.

Uma manhã, o garotinho chegou até mim e me abraçou, enquanto a irmã, já maiorzinha, brincava se escondendo dele. Como eram quentes aquelas mãozinhas cheias de vida! Eu podia sentir a alegria dele, enquanto a irmã disparava dando risadas. Lágrimas escorriam pelo meu corpo, enquanto eu os via brincando pelo gramado.

Infelizmente, um tempo depois as crianças pararam de me visitar e eu passava os dias sozinho. Porém, certa vez, o garotinho, já adolescente, apareceu e me senti vivo novamente. Vi que a irmã, crescidinha, o acompanhava. Ela disse que eu era perfumado e fiquei muito orgulhoso.

Fazia calor e tratei de exalar meu perfume com mais intensidade. Queria que sentissem que eu estava feliz por estar com eles. Mas o jovenzinho puxou um canivete e, mesmo diante de meus gritos silenciosos, cortou minha pele. Talhou em mim os nomes deles e a menina se sentou no balanço que eu ainda tinha pendurado no braço.

Ficaram ali, conversando um tempo. Eu estava dolorido pela agressão, mas depois que foram embora, pensei que, pelo menos, tinha ficado algo dos meninos gravado em mim. Depois disso nem ele nem a irmã apareceram mais para me ver.

O tempo passou. Podia perceber pelas janelas da casa que os pais envelheceram e foram morar em outro lugar. Não sei onde. Os garotos ficaram na casa. Depois, vi que a irmã foi embora. Eu estava muito chateado porque o menino, já de barba e óculos, nunca vinha me ver.

Até aparecer um homem que eu não conhecia. Conversou com o garoto adulto, decidiram algo e apertaram as mãos. No dia seguinte, o menino finalmente se aproximou. Fiquei exultante e comecei a exalar o aroma de meu perfume, para que ele sentisse logo.

Ele parou diante de mim e notei algo diferente em seu olhar. Tocou no meu peito as letras que gravara anos antes. Depois olhou para o vazio onde antes ficava o balanço. Notei-lhe uma lágrima discreta. O homem do dia anterior estava com ele, trouxe um carrinho-de-mão e ferramentas.

Quando a primeira machadada fendeu minha casca, perfumei o machado e joguei minhas lascas o mais longe possível. Queria deixar o meu aroma na roupa do garoto, no gramado, para que ele se lembrasse de mim quando eu não estivesse mais por ali. O que mais eu poderia fazer? Só sabia amar aquelas crianças.


André B. Ferreira é formado em Letras, Português e Espanhol pela Universidade Federal do Pampa, Pós-graduado em Estudos da Linguagem pela Universidade da Grande Dourados. Adora ler, escrever e ver filmes. Foi premiado no concurso Histórias de Trabalho, da Secretaria Municipal de Cultura de Porto Alegre, RS nos anos de 2007 e 2012 na modalidade conto. Em 2019, teve o conto "A vontade do Senhor" selecionado para publicação na antologia "Sementes", do Primeiro Concurso Nacional de Contos do Tribunal Regional Eleitoral do Paraná. Tem publicados dois livros como autor independente: Lua Cheia, o despertar e A Grande Jornada de Art.

 

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